Viagem à volta do Mundo

No dia da comemoração do 180º aniversário do nascimento de J. Verne, o verniano e tradutor para português da revista Mundo Verne, Carlos Patrício, teve o seguinte comentário num texto que publicou no blog: «Este ano será o ano de Verne!». E não podia estar mais correcto...

O ano de 2008 foi riquíssimo em acontecimentos vernianos em Portugal: o tema «Jules Verne» no carnaval de Sesimbra e no festival de Tunas da Universidade de Lisboa; o lançamento do selo Júlio Verne - 130 anos da visita a Portugal, da colecção de livros de luxo Biblioteca Júlio Verne; e do primeiro filme em 3D, que por coincidência, foi baseado na obra homónima de J. Verne, entre outros. E como tal, não poderíamos terminar este ano tão verniano sem que algo grandioso se fizesse.

Em conversa com os amigos vernianos de língua portuguesa surgiu-nos uma ideia «mundialmente» interessante que passarei a explicar.
Como sabem, o escritor gaulês afirmou, em várias entrevistas, que gostaria imenso de um dia poder ter a sorte do seu personagem Phileas Fogg ou da jornalista Nellie Bly1, e dar a volta ao mundo, durante uns 80 dias. Mas, para sua infelicidade, esse seu desejo nunca se concretizou apesar de ter sido um homem bastante viajado durante toda a sua vida.

A ideia, portanto, teria que ser relacionada com esse desejo… mas como faríamos com que Verne estivesse ligado a uma volta ao mundo? Foi nesse momento que surgiu a notícia do final de missão da Estação Espacial Jules Verne e do regresso da primeira edição Hetzel Da Terra à Lua, que seguia a bordo. Então, pensei eu, se um livro de Verne já foi ao espaço, porque não fazer com que um outro desse "simplesmente" a volta ao mundo? Seria uma forma de concretizar o seu desejo e levar um objecto com o seu nome a circular a Terra. Esta ideia foi saudada por todos e, apesar de não termos acesso a nenhuma edição Hetzel (nem tentamos pois o seu risco de perda seria demasiado grande), decidimos optar pelo primeiro exemplar da Biblioteca de luxo Jules Verne citada anteriormente, que foi, curiosamente, A volta ao mundo ao mundo em 80 dias.


O nosso objectivo era que a viagem se realizasse, se possível, dentro dos limites dos oitenta dias previstos por Verne na sua obra e com paragens em alguns países. Para isso ser possível, precisaríamos da ajuda da grande legião de vernianos que se encontra em todo o mundo.

Fixamos a cidade de partida no Porto, em Portugal, e a ultima paragem no Rio de Janeiro, no Brasil, antes do regresso a terras lusitanas, mas faltava-nos outras cidades para fazer escala. Optamos, portanto, por elaborar um texto com a nossa ideia e, com a ajuda da tradução para inglês e francês pelo criador da revista Mundo Verne, Ariel Pérez, publicamo-lo no Fórum Internacional de Zvi Har’El. Instantaneamente recebemos vários emails de vernianos indicando o seu interesse em participar neste projecto e, analisando as localizações recebidas até então, começamos a elaborar o mapa da viagem. Infelizmente fomos obrigados a rejeitar algumas participações visto que saíam do trajecto que havíamos já traçado.

Após termos projectado a viagem2, foram pedidos a todos os participantes os respectivos endereços e que, quando o livro chegasse às suas mãos, o assinassem e o enviassem o mais rápido possível para o próximo participante depois de lhe tirarem uma foto com um monumento da sua cidade em pano-de-fundo de forma a comprovar a sua paragem nesse país. Finalizámos com a informação que tais fotos seriam colocadas no blog JVernePt que acompanharia a viagem com a ajuda do programa Google Earth.

O início da viagem deu-se a 29 de Outubro onde partiu da cidade portuguesa, Porto, rumo a Manchester, na Inglaterra. Como estipulado, o livro foi assinado por mim e tirada uma foto junto à magnífica ponte metálica D. Luís que liga as duas cidade banhadas pelo rio Douro, Porto e Gaia. A foto foi publicada no blog juntamente com uma breve informação da paisagem escolhida e da cidade.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade.

O livro foi recebido quatro dias depois por Krzysztof Gucwa, vogal da Sociedade Polaca Jules Verne mas com residência em Inglaterra. O senhor Krzysztof, depois de ter registado o momento com algumas fotos na cidade de Manchester, fez questão de visitar Liverpool3 e de também registar aí a sua presença visto ser uma importante cidade na obra do escritor francês4.
Veja aqui a visita do livro a estas cidades.

Seis dias depois, chegou ao país do escritor, mais especificamente à cidade de Le Havre. Aproveitei a estada do senhor Valetoux nessa cidade para informar que esta fora, durante a Segunda Grande Guerra, destruída durante a Batalha de Normandia tendo recebido há uns anos o prémio de Património Mundial da UNESCO pelo reconhecimento ao trabalho de reconstrução da cidade.
Mais tarde concluí que estas informações foram bem recebidas pelos leitores do blog o que me levou a pedir aos próximos participantes que descrevessem as suas cidades o mais possível de forma a dá-las a conhecer através do nosso blog.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade.

O livro seguiu para norte chegando à Bélgica três dias depois. Ali chegou às mãos de Dave Bonte na «doce» cidade de Moerbeke-Waas. Como curiosidade, aí encontrava-se -até à data- a segunda maior fábrica de açúcar do país.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade.


Garmt de Vries, o participante holandês da aventura e grande verniano, sabendo da paragem do livro no país vizinho, e de forma a poupar tempo na viagem, decidiu ir ele próprio buscá-lo à cidade belga de Gent onde Dave trabalhava. É de relembrar que até aí a maior «loucura verniana» estava a cargo de Krzysztof que tinha ido propositadamente a outra cidade fotografar o livro, mas Garmt superou tudo ao ir buscá-lo a outro país. Já na sua posse, este participante nunca imaginara que iria trocar de lugar com Phileas Fogg dando inicio a uma verdadeira aventura verniana.

Quase todos os imprevistos lhe aconteceram na viagem de regresso desde um furo na bicicleta quando se encontrava a caminho da estação de caminho de ferro -que quase o levava a perder o transporte-, até à chegada à estação depois da hora da partida do outro veículo de caminho de ferro que o levaria nesse dia à sua cidade. Felizmente, também este teve um atraso na partida e foi, desta forma, que Garmt conseguiu embarcar e chegar a casa no tempo esperado. Já em Zeist, Garmt de Vries, juntou à viagem magníficas fotos e informações do belo castelo da cidade, inspirado no Palácio de Versailles.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade.

A quase 1 500 quilómetros de distância, o livro fez a sua sétima paragem na cidade polaca de Tarnów onde foi recebido por Lena, filha de Krzysztof (participante em Inglaterra). Aí, como em Le Havre, há referências à Segunda Grande Guerra sendo a principal um monumento de Adam Mickiewicz, o maior poeta polaco, que sobreviveu à guerra.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade.

A Europa fora atravessada e o livro seguiu para o primeiro país asiático, especificamente para um lugar bastante especial para nós vernianos: Israel.

Como todos sabemos, Zvi Har’El, um dos grandes vernianos de sempre e autor do site mais visitado sobre o escritor gaulês, faleceu. Era imprescindível, portanto, que o livro passasse pelo seu país e, desta forma, podermos também homenageá-lo Apesar de nunca termos demonstrado o nosso desejo publicamente, o seu filho, Nadav Har’El, entrou em contacto comigo onde manifestou o desejo de participar.
Depois da chegada do livro às suas mãos, rapidamente procedeu ao já habitual registo fotográfico com o belo Santuário do Báb em fundo. Com as fotos veio também uma nota de agradecimento pela oportunidade de participar no projecto e o seguinte comentário: «É muito triste o meu pai não esteja aqui para vibrar com o projecto do livro à volta do Mundo. Penso que teria adorado participar e ver as assinaturas dos vários vernianos.» Respondi a Nadav que o seu pai estava a participar pois se encontrava nos pensamentos de todos os vernianos.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade.

No dia 35 da viagem, o livro chegou à capital indiana onde encontrou a senhora Swati Dasgupta. Como sabemos, a Índia possui uma maravilha do mundo moderno, o Taj Mahal, que foi construído por memória a uma esposa falecida. Engana-se quem pensa que foi o único monumento construído por amor a uma pessoa amada. O Túmulo de Humayun em Nova Deli, que serviu de cenário para a foto do livro, é o mais antigo mausoléu mongol de Deli e uma das mais extraordinárias construções históricas da cidade.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

O horrível atentado em Bombay5 ocorrido nessa semana e a proximidade à época natalícia, levou com que o livro demorasse 15 dias a chegar à próxima paragem: Macau, na China. A Região Administrativa Especial da República Popular da China foi, até 19996, colonizada e administrada por Portugal havendo ainda várias referências a este povo colonizador. Óscar Madureira fotografou o livro junto a uma dessas «heranças» portuguesas e às Ruínas de São Paulo que ilustram bem um dos primeiros e mais duradouros encontros entre a China e o Mundo ocidental.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

A 3 000 km a nordeste, o livro voltou a uma cidade já visitada por Fogg há uns cento e vinte e cinco anos: Yokohama, no Japão. Nessa viagem, o seu fiel ajudante, Passepartout, vagueia pela cidade e acaba por entrar no Templo de Benten. O senhor Masataka Ishibashi mostrou-nos esse templo, agora Museu da História de Kanagawa, como também o local onde Fogg embarcou no poderoso navio General Grant rumo aos EUA.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

Curiosamente, a próxima paragem foi San Diego nos Estados Unidos da América, uma cidade geminada com a anterior paragem, Yokohama, desde há mais de 50 anos. O senhor e a senhora Keeline levaram-nos numa visita guiada pelo Balboa Park cujos belos monumentos albergou, em 1915, a Exposição Panamá-Califórnia e que se tornaram, entretanto, símbolos da cidade. Esta viagem ficaria marcada também pela visita ao Hotel Del Coronado, um hotel vitoriano de 1888 que tem sido usado em muitos filmes e que deu estadia a muitas pessoas famosas incluindo L. Frank Baum, Charles Lindbergh e a onze Presidentes dos Estados Unidos. Também se deslocaram ao restaurante Phileas Fogg’s que possui um grande mural com cenas (alguns imaginadas) da história do livro.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

A grandeza da «terra do tio Sam» levou a que se fizesse mais duas paragens no seu território. A primeira deu-se na companhia de Dennis Kytasaari em Chicago onde, para além de visitar belos edifícios que serviram de pano-de-fundo também a vários filmes americanos, visitou o Auditorium Building. Este teatro foi o local utilizado para O nobre jogo dos Estados Unidos da América que foi jogado na obra de Verne, O testamento de um excêntrico.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

De uma temperatura de 0º Celsius, o livro juntou-se ao sol quente da Florida, mais propriamente à cidade de Tampa. Como muitos devem saber, nesta cidade teve acção uma das mais conhecidas obras de Jules Verne, Da Terra à Lua. David McCallister mostrou-nos não só as referências ao autor e à sua obra na cidade como fotografou Stones Hill7, a localização exacta do lançamento da bala na obra verniana.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

Cruzando pela primeira vez, desde o início dessa espectacular viagem, a linha do Equador, o livro entrou no hemisfério sul da Terra chegando ao Brasil no dia 78 da viagem. Infelizmente a meta dos 80 dias estava já fora de hipótese. Carlos Patrício, um dos grandes vernianos da América do Sul e colaborador do nosso blogue, levou o livro num passeio por magníficos locais de Rio de Janeiro, como ao conhecido morro do Pão de Açúcar, cartão-postal da cidade, à famosa praia de Ipanema e, como não poderia deixar de ser, à nova maravilha do Mundo, o Cristo Redentor, que abençoou a nossa aventura e a todos os que nela participaram.
Veja aqui a visita do livro a esta cidade. 

Cem dias depois de ter partido, em 10 de Fevereiro de 2009, o livro regressou à cidade do Porto em Portugal.

Veja aqui a visita do livro a esta cidade.

Phileas Fogg ainda continua a ser mais rápido!



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ANEXO

1 Nellie Bly foi a primeira mulher a dar a volta ao mundo em 72 dias (de 14 de Novembro a 24 de Janeiro de 1890). Durante a sua viagem visitou Verne na sua casa de Amiens. Esse encontro foi relatado por Herbert Lottman e mais tarde, após o término da viagem, outro jornalista, Roben Sherard, pediu umas palavras ao “Mago de Amiens” que apareceram no The World de 26 de Janeiro de 1890. Nessa entrevista, Jules e Honorine têm os seguintes comentários: «Estou encantada, ainda que não seja mais porque por fim o meu marido vai recuperar o sossego. [...] Todas as noites dizia: "Miss Bly deve de estar neste sítio, ou no outro." Costumava ir, ao cair da tarde, buscar o mapa-mundo ou o globo e assinalava-me o lugar em que provavelmente estava Miss Bly naquele momento. Cada dia marcava o seu avanço com bandeirinhas nesse mapa grande aí de cima.» Aí Verne interveio: «É o que disse a minha mulher: lembrava-me continuamente de Miss Bly. O que mais pensava era: Deus, como eu gostaria de ainda ser livre e jovem! Ficaria encantado em fazer essa viagem, ainda mesmo nestas condições: dar a volta ao mundo a toda a velocidade, sem ver quase nada. Punha-me em marcha sem pensar duas vezes e oferecia-me a Miss Bly para a acompanhar.»
2 O trajecto traçado foi o seguinte: Portugal-Inglaterra-França-Bélgica-Holanda-Polónia-Israel-Índia-China-Japão-EUA-Brasil-Portugal.
3 Localizada a 50 quilómetros de Manchester.
4 O Henrietta, onde seguia Phileas Fogg e companhia, atracou em Liverpool depois ter atravessado o Oceano Atlântico vindo dos EUA.
5 Ocorreu a 28 de Novembro no Hotel Bombaim, matando 155 pessoas e ferindo 327
6 Antes desta data, Macau foi colonizada e administrada por Portugal durante mais de 400 anos e é considerada o primeiro entreposto bem como a última colónia europeia na China.
7 «Montanhas Rochosas», em português. 



Esta viagem foi alvo de notícia no jornal electrónico, Portugal Diário, e, com mais detalhe, na revista Bang! nº6 da editora Saída de Emergência.

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O grande objectivo desta viagem foi, como dito atrás, uma homenagem a J. Verne no ano em que se comemorou o 180º aniversário do seu nascimento. No entanto, esta viagem tornou-se em algo mais do que isso. Serviu não só para conhecermos os grandes vernianos ao redor do Mundo como também para estes nos mostrarem as suas cidades com os seus magníficos monumentos/edifícios.
Por estas razões, outros vernianos, que não haviam entrado na viagem por diversas razões, mostraram vontade em continuar esta visita do livro às suas cidades de forma a mostrá-las aos nossos visitantes.
Assim sendo, e depois de já ter dado uma volta ao mundo, o livro continua o seu passeio pelo nosso Planeta... e suas profundidades:

    1 comentário:

    Filipa disse...

    Olá Frederico,

    Gostei muito do seu artigo. Espero que o livro continue a sua visita aos mais belos lugares do nosso planeta e que continue a descrever cada local como tem feito.

    Filipa Freire