Hoje comemora-se uma data muito importante no Mundo Verniano, o 130º aniversário (1878-2008) da primeira de duas visitas do escritor J. Verne a Portugal.
Como sabem, tudo fiz para que esta data fosse mais publicitada e celebrada. Escrevi informações sobre este acontecimento no site e no blog, enviei e-mails à Câmara da cidade onde se deu a visita (Lisboa), comuniquei a meios de comunicação, e até elaborei um selo comemorativo. No entanto, ninguém ficou sensibilizado e nada se fez, com a excepção do selo comemorativo.
Com objectivo de dar aos nossos visitantes os maiores detalhes sobre esta visita, eu e o escritor Pedro O'Neill procedemos à pesquisa de informações nos jornais da época e revistas, comunicamos com estudiosos franceses que têm acesso ao seu diário, e até houve uma visita ao local do encontro em Lisboa por parte do amigo Pedro.
Estando a pesquisa finalizada, todas as informações foram colocadas no site JVerne e no blog, de forma a homenagear, mais uma vez, este grande escritor! Fiquem com o texto publicado, e qualquer questão e dúvida, ou mesmo fornecer mais algumas informações, não hesitem em nos contactar.
Selo comemorativo do 130º Aniversário (1878-2208)
A visita de J. Verne foi um grande acontecimento na época pois era raríssimo uma ilustre pessoa, como era o caso, visitar o "cantinho da Europa". A notícia da sua chegada apareceu nos mais conhecidos jornais da época e foi recebido pelas mais ilustres celebridades portuguesas, inclusive pelo seu editor português David Corazzi.
1ª Visita de Júlio Verne a Portugal
Júlio Verne vindo de Nantes e tendo feito escala em Vigo, chegou a Lisboa pela primeira vez, a 5 de Junho de 1878, quarta-feira, às 9h, depois de ter passado ao largo do cabo da Roca e parado em Cascais com o seu "Saint-Michel III". Veio acompanhado com o seu irmão Paul, com o editor Jules Hetzel Filho e com o amigo e ex-deputado Raul Duval.
J. Verne, agora em terra, alugou um veículo, e conduzido pelo banqueiro Jorge O'Neill (da firma Torlades e O'Neill, cônsul geral da Dinamarca, Bélgica e Grécia em Lisboa, e representante da companhia de navegação francesa Messageries Maritimes, dirigiu-se ao consolado francês. Nessa manhã aproveitou ainda para visitar a Igreja de São Roque.
Depois de almoço, conheceu David Corazzi (o editor dos seus livros em Portugal através das editora "Horas Românticas") no seu escritório na Rua da Atalaya nº42, e foi a casa de Jorge O'Neill tendo sido apresentado à sua família.
Como a noite se aproximara, foram todos jantar ao famoso "Grand Hotel Central" localizado no actual Cais do Sodré. Após o jantar, e a convite de Corazzi, assistiram à representação da zarzuela "La Gallina Ciega" nos "Recreios Whittoyne" (localizado onde mais tarde se construiu o hotel Avenida Palace perto da actual estação do Rossio).
Por volta da meia-noite, J. Verne voltou ao seu iate onde pernoitou.
Grand Hotel Central, em 1878, na Praça Duque da Terceira (Cais do Sodré), Lisboa.
No dia seguinte, os seus companheiros de viagem foram a Sintra, ao contrário do escritor, que aproveitou para descansar no seu beliche, descanso este que foi interrompido quando entrou a bordo o capitão João de Carvalho Ribeiro Viana onde, no seu livro, "Na Terra e no Mar" (1883), se viria a referir à visita que fez ao "Saint-Michel III". Falaram de livros e navios, especialmente do cruzador português "Vasco da Gama" que tinha sido recentemente adquirido em Inglaterra.
Verne quis documentar-se sobre este navio e Ribeiro Viana, que o conhecia, pois tinha sido Director do Arsenal da Marinha, enviou-lhe um memorando recebendo nesse mesmo dia a seguinte resposta do escritor:
"6 de Junho de 1878 - Senhor Director, agradeço-lhe os documentos que teve a extrema bondade de me enviar. E peço ao mesmo tempo que receba a minha cordial consideração. Muito sensibilizado pelo acolhimento com que fui recebido peço que me considere, senhor director, como vosso profundo admirador. Jules Verne"
Cruzador Vasco da Gama
Da parte da tarde, o autor aproveitou para apreciar a velha cidade que se manteve após o terramoto de 1755. Visitou a Torre de Belém e os Jerónimos para depois ter um encontro com os jornalistas no mesmo hotel da noite anterior. O encontro foi descrito pelo jornalista e escritor Pinheiro Chagas no "Diário da Manhã" do dia 7 de Junho, onde era redactor principal:
Esteve em Lisboa hontem e ante-hontem este eminente escriptor, um dos romancistas mais originaes do nosso tempo, o homem que entrou com a luz da sciencia nos dominios da imaginação, e soube encontrar, n'essas minas tão exploradas, novos veios de uma poderosa riqueza dramatica, de um interesse vivissimo, de um encanto inexcedivel.[...] Foi á porta do Hotel Central que o comprimentámos. Encontramos um homem extremamente affável, de aparencia profundamente sympáthica, as barbas que foram loiras, já um pouco grisalhas, olhar vivo, claro e intelligente. Mostrou pelo nosso paíz a mais perfeita boa vontade, fallou modestamente de si e contou que trabalhava agora no seu Capitaine de quinze ans,[...]."
Esteve em Lisboa hontem e ante-hontem este eminente escriptor, um dos romancistas mais originaes do nosso tempo, o homem que entrou com a luz da sciencia nos dominios da imaginação, e soube encontrar, n'essas minas tão exploradas, novos veios de uma poderosa riqueza dramatica, de um interesse vivissimo, de um encanto inexcedivel.[...] Foi á porta do Hotel Central que o comprimentámos. Encontramos um homem extremamente affável, de aparencia profundamente sympáthica, as barbas que foram loiras, já um pouco grisalhas, olhar vivo, claro e intelligente. Mostrou pelo nosso paíz a mais perfeita boa vontade, fallou modestamente de si e contou que trabalhava agora no seu Capitaine de quinze ans,[...]."
Há noite, jantou novamente no hotel, mas desta vez com a companhia de algumas celebridades da época, como foi o caso dos escritores Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão e o ilustrador Rafael Bordalo Pinheiro.
Após o jantar, Verne visitou Fernando Palha (primo de O'Neill Jr.), num dos seus magníficos palácios no Dafundo, e apreciou a sua colecção de livros, artes e antiguidades.
Partiu rumo a Cádiz às 6h de sexta-feira, dia 7 de Junho, com ventos Este-Sudeste. À meia-noite voltou a bordo do seu "Saint-Michel", onde pernoitou pela segunda vez.
Após o jantar, Verne visitou Fernando Palha (primo de O'Neill Jr.), num dos seus magníficos palácios no Dafundo, e apreciou a sua colecção de livros, artes e antiguidades.
Partiu rumo a Cádiz às 6h de sexta-feira, dia 7 de Junho, com ventos Este-Sudeste. À meia-noite voltou a bordo do seu "Saint-Michel", onde pernoitou pela segunda vez.
"Hospede illustre - Julio Verne, o celebre romancista francês, esteve algumas horas em Lisboa partindo para Cadiz já hoje. Durante a sua curtissima estada n'um hotel foi visitado por alguns dos nossos mais festejados escriptores, que por signal ficaram maravilhados da gentileza e amabilidade do autor das «viagens maravilhosas». Acompanham-o em sua recreativa viagem seu irmão Paul, os Srs. Duval e Julio Hetzel. A todos desejamos mil venturas".
"Chegou hontem a Lisboa, a bordo do seu yacht de recreio "Saint Michel", vindo de Nantes com escala por Vigo, o célebre escriptor Júlio Verne. Acompanham-o o seu irmão Paul, e o editor das suas obras. J. Verne visitou o escriptório das "Horas Românticas". Foi á noite aos Recreios. Hoje vae a Cintra e de tarde segue para Cadiz".
Já o "Diário Illustrado" refere a conversa de Verne com Fernando Palha, onde lhe promete o seu regresso a Portugal:
"O sr. Julio Verne, depois de visitar a egreja dos Jeronymos foi ante-hontem passar a noite em casa do sr. Fernando Palha, no Dafundo. Mostrando-se penhoradissimo pelo modo por que ali foi recebido, disse ao sr. Palha que, na volta da sua viagem a Cadiz, se demoraria em Lisboa para, com mais vagar, ver os arredores da cidade."
Como podemos verificar, alguns dos jornais apresentaram factos que mais tarde se verificaram não serem verdade, como a "curtíssima estada" em Lisboa e a viagem a Sintra.
Daremos agora algumas informações sobre o "Grand Hotel Central" situado na Praça Duque da Terceira, Lisboa. Como dito atrás, estas informações foram cedidas na sua totalidade por Pedro O'Neill.
O Hotel
O "Grand Hotel Central”, onde jantou por duas vezes Júlio Verne, ficou célebre na história da cidade, através das crónicas e romances de celebérrimos escritores. Nele se hospedaram grandes vultos da política e do mundanismo internacional.”
Actualmente o "Grand Hotel Central" já não se encontra em funcionamento mas felizmente o seu edifício foi mantido e recuperado encontrando-se em perfeito estado, como poderão ver na foto:
Fachada actual do antigo "Grand Hotel Central", na Praça Duque da Terceira (Cais do Sodré), Lisboa.
Foto cedida por Teresa Texeira autora do blog "Por um fio".
Foto cedida por Teresa Texeira autora do blog "Por um fio".
Sabe-se que o Hotel Central encerrou em 1919. Seguiram-se obras que remodelaram as fachadas do edifício ao gosto da década de 1920.
O rés-do-chão com a frente para a praça também sofreu novas alterações, provavelmente na década de 1940. Essa parte é actualmente ocupada com a agência de viagens Abreu, enquanto que na parte para a avenida existe a CGD é um pub/restaurante irlandês (Henessys). Nas outras fachadas existem outros estabelecimentos.
Nos pisos superiores do edifício crê-se serem escritórios de variadíssimas firmas como é o caso da dominante presença da companhia de navegação James Rawes & C, representante da famosa Lloyds, cujas letras substituiram na fachada as do antigo hotel. Há o pormenor curioso, que no 1.º andar fica o Consulado de Malta.
No interior do edifício, o mais importante é a escada interior e o saguão (parcialmente ocupado com elevador), com a sua bela guarda em ferro, devendo ser ainda do século XIX (portanto, já não de origem pombalina), e quem sabe se do mesmo tempo em que lá esteve Júlio Verne.
Portanto, apesar de muitas transformações com a passagem do tempo, é um edifício ainda carregado de alguma mística "verniana", com escritórios de companhias de navegação, um consulado de uma ilha-nação e um bar irlandês.
No interior do edifício, o mais importante é a escada interior e o saguão (parcialmente ocupado com elevador), com a sua bela guarda em ferro, devendo ser ainda do século XIX (portanto, já não de origem pombalina), e quem sabe se do mesmo tempo em que lá esteve Júlio Verne.
Portanto, apesar de muitas transformações com a passagem do tempo, é um edifício ainda carregado de alguma mística "verniana", com escritórios de companhias de navegação, um consulado de uma ilha-nação e um bar irlandês.
É curioso saber que Eça de Queiróz, visitante periódico do hotel devido ao encontro dos "Vencidos da Vida" e amante das obras de Júlio Verne, referiu este hotel aquando do encontro de Carlos e Maria Eduarda, no seu livro "Os Maias", e passo a citar:
«...Entravam então no peristilo do Hotel Central - e nesse momento um coupé da Companhia, chegando a largo trote do lado da Rua do Arsenal, veio estacar à porta.
Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo à portinhola; de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa, de pêlos esguedelhados, finos como seda e cor de prata; depois apeando-se, indolente e poseur, ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um casaco de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrexinho inglês, abria negligentemente um telegrama; o preto seguia com a cadelinha nos braços. E no silêncio a voz de Craft murmurou: - Très chic.»
Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo à portinhola; de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa, de pêlos esguedelhados, finos como seda e cor de prata; depois apeando-se, indolente e poseur, ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um casaco de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrexinho inglês, abria negligentemente um telegrama; o preto seguia com a cadelinha nos braços. E no silêncio a voz de Craft murmurou: - Très chic.»
O meu obrigado a Pedro O'Neill não só pelas informações do Hotel como também pelas horas passadas na biblioteca pesquisando em jornais sobre a visita de J. Verne ao nosso país.
4 comentários:
Boa Pesquisa. Parabéns e obrigada pela partilha de informação.
eu acho maravilhoso o site para fazer lição
O museu dele é super legal quem puder entre lá esta as obras dele e seus filmes!!
é bem legal esse site
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