sábado, 21 de julho de 2007

'Jules Verne' a caminho do lançamento

A nave de carga «Jules Verne», o maior e mais complexo veículo espacial alguma vez construído na Europa, está terminada e já se encontra a caminho, por mar, da base da Agência Espacial Europeia na Guiana Francesa, de onde será lançada para o espaço no início de 2008.

Conforme recorda a edição desta segunda-feira do Diário de Notícias, a «Jules Verne» é o primeiro Automated Transfer Vehicle (ATV), estrutura que pode transportar um peso total de sete toneladas e meia, e que foi submetida a testes no centro técnico da Agência Espacial Europeia (na Holanda), durante três anos.

Dividida em três segmentos, a «Jules Verne» (com um peso total de sete toneladas e meia) levará, nesta primeira viagem por mar, 11 dias a chegar ao destino.

No mesmo cargueiro seguem mais peças e estruturas necessárias à remontagem que antecederá o lançamento.

Chegada a nave à base de Kourou, segue-se uma etapa de 18 meses que garantirá a sua remontagem e a preparação do lançamento, para o qual a «Jules Verne» será colocada num foguetão Arianne 5, seguindo então rumo ao seu destino, aproximadamente 400 quilómetros acima do solo.

A «Jules Verne» será o primeiro de cinco ATV a ser lançados para acoplagem à Estação Espacial Internacional ao longo dos próximos anos.

O seu desenvolvimento implicou um investimento de 1,3 mil milhões de euros.

Já agora aproveito para divulgar um vídeo sobre o ATV onde é referido o autor Júlio Verne:


FONTE: Diário Digital

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Crítica 'Viagem ao Centro da Terra (1864)'

Não sei ao certo onde comprei essa obra. Acho que foi em algum sebo, há muito tempo. Talvez a tenha herdado de alguém, algum dia. Não sei. Mas, ela estava lá, em minha prateleira, e, como fazia muito que não lia livros de literatura por simples entretenimento, resolvi dedicar uns 2 ou 3 dias para a leitura dessa obra tão famosa. É o tipo de obra que todos conhecem, mas sem nunca ter lido uma página. Sendo assim, já tinha uma idéia bem formada do que aconteceria a cada momento da obra, embora não conhece nenhum dos seus detalhes específicos. Ou seja, apesar de se tratar de ficção científica, em função do desgaste histórico da obra, não há surpresa nos fatos narrados; isso mais por conta do leitor (hoje) do que do livro, pois o leitor contemporâneo já está acostumado com esse gênero e provavelmente já assistiu desenho animado demais. Tudo bem, esse não é o tipo de obra que se deva ler pelas surpresas, há muito mais em jogo.

Das centenas de edições de "Viagem ao centro da Terra" (voyage au centre de la terra, no original) a que li foi a da Editora Ática, lançada em 1994 na coleção "Eu leio", traduzida por Cid Knipel Moreira. Quanto a qualidade da tradução não posso testemunhar, pois não sou habituado com o estilo de Verne, nem com o francês, mas no geral a edição é boa. No livro há cerca de 10 páginas tratando do autor e do livro, constando inclusive uma reprodução de uma das ilustrações originais da obra; Júlio Verne teria sido muito cuidadoso para que a obra fosse bem ilustrada, considerava fundamental a percepção visual de sua obra escrita. As ilustrações da edição que li foram feitas por um tal de "Bilau" e têm um estilo HQ, ou seja, com bastante atenção aos detalhes dos personagens (desenhados basicamente em caneta nanquim de ponta fina) e fazendo muitos jogos de luz e sombra. Esse estilo é interessante, mas eu acredito que peque um pouco na interação personagem/cenário. Fazendo uma analogia com o cinema, parece que as ilustrações foram "filmadas com fundo azul"; o cenário está lá, o personagem também, mas parece que eles não estão "juntos". Pela impressão que tive da gravura original, no original, em função do próprio estilo da ilustração, estão mais inteirados homens e paisagens, o que garante mais movimento para a cena.

Sobre a estória contada no livro há muitos aspectos que podem ser observados. Em linhas gerais ela relata a estória de um cientista do século XIX, defensor de uma antiga teoria que afirmava que a Terra era oca, que em seu centro provavelmente existiriam lagos e oceanos, possivelmente um sol central e talvez até formas de vida. Essa teoria, mesmo no século XIX nunca foi muito bem aceite pela comunidade científica, embora possuísse alguns vários adeptos; por outro lado a teoria do "fogo central" era a mais aceita (e continua assim até hoje), ela afirmava que o centro da terra é composto por uma fusão de metais em altíssimas temperatura e pressão. Na época houveram disputas épicas entre cientistas defensores de cada uma das teorias, alimentadas principalmente pelas falhas mútuas e impossibilidade de prática de testar a teoria (ir efetivamente ao centro da Terra e "ver" a verdade). Pois bem, o cientista da estória acha um registo de uma suposta viagem ao centro da Terra feita por um alquimista do século XVI. Com base nas anotações do alquimista ele parte para um vulcão que possuiria uma caverna que levaria ao centro da Terra. Junto com ele vai um guia nativo e seu sobrinho, este último completamente descrente de qualquer possibilidade de sucesso da expedição; o sobrinho é um jovem pesquisador defensor ferrenho da teoria do fogo central. Um aspecto interessante da obra é que durante toda a expedição tio e sobrinho travam várias batalhas teóricas, cada qual defendendo algumas das teorias e apelando aos "fatos" para convencer o outro do "delírio" que estaria sofrendo (a ambiguidade desta frase é propositada, faz parte de uma interpretação minha do tema). No decorrer da obra a teoria da terra oca é comprovada, fornecendo material para a explanação de vários fatos não explicados pela ciência da época, há encontros com animais fantásticos e os viajantes passam por uma série de problemas frente as dificuldades impostas por um terreno tão indeterminado e desconhecido; mas sempre seguem em frente como numa espécie de loucura científica, um fator psicológico bastante explorado na obra.

Essa obra é muito útil caso queiramos traçar paralelos com as crenças populares e o furor do desenvolvimento científico. Os séculos XVII à XIX foram muito felizes para a ciência, sobretudo quanto as expectativas que foram criadas quanto a sua profundidade (como no caso do positivismo). Com a ciência positiva muitos passaram a acreditar que poderíamos, com aquele método determinado, conhecer todas as coisas, sob todos os aspectos. De lá para cá foram só estocadas contra essa concepção e a própria ciência teve que se adaptar à muita coisa. Hoje, ficção científica é um gênero bastante respeitável, mas já perdeu muito espaço para tudo o que trata do espiritual, indeterminado, oculto e inexplicável. Essa atenção às verdades não-científicas já existia, mas, de maneira geral, foi tratada pejorativamente como crendice e era deixada um tanto de lado pela camada "culta"; hoje ressurge das cinzas e disputa espaço lado à lado com livros que retratam teorias conspiratórias - "sabe tudo aquilo que você julgava verdade, eles mentiram para você" -, enquanto a ficção científica cambaleia procurando uma nova forma.

Crítica escrita por Fernando Moreira, autor do blog Canecas: Idealismo Antártico, e cedida gentilmente para o blog JVernePt.

Se pretender comentar esta crítica faça-o aqui. Caso pretenda comentar a obra use a secção correspondente. Qualquer pessoa pode escrever uma crítica para qualquer obra. Para isso leia o tópico 'Críticas das obras'.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

O Sumiço do Lago Chileno... e Verne

Os jornais noticiaram, no mês passado, o misterioso desaparecimento de um lago inteiro, num parque natural da Patagónia, no Chile.


"Água desaparece sem explicação. No local, resta apenas uma cratera de 30 metros de profundidade", escreveu o diário brasileiro O Globo. E continua: "Integrantes da Corporação Nacional de Florestas (Conaf) daquele país estão a tentar entender o que aconteceu e pediram ajuda a geólogos. O chefe da Conaf, Juan Jose Romero, contou o que aconteceu:

- O lago tinha blocos de gelo flutuantes e os funcionários, durante uma ronda, espantaram-se ao ver que esses blocos estavam depositados no fundo de uma cratera: o leito seco do lago, desaparecido completamente da noite para o dia - explicou, ressaltando que era um lago de grandes proporções.

Mas ele não foi o único a desaparecer. Um rio caudaloso que o abastecia transformou-se num riacho. O local não tinha peixes porque era formado por águas glaciais."

Os motivos

Vários motivos foram expostos como os que poderiam explicar o fenómeno, alguns envolvendo causas naturais, como terramotos e o aquecimento global do planeta (teria a água simplesmente evaporado??) e outros com ares francamente sobrenaturais : um disco voador teria sugado a água do lago ... ou seria um castigo divino?

A essa altura do campeonato, os geólogos contratados pelo Sr. Romero já devem ter chegado à conclusão do que, afinal, aconteceu.

Principalmente, se algum deles leu Júlio Verne.

No seu livro de 1877, "As Índias Negras" ("Les Indes Noires"), Verne conta a história dos trabalhadores das vastas minas de carvão dos subterrâneos do Condado de Stirling, na Escócia. O nome do livro foi inspirado nas hulheiras de carvão a quem os britânicos chamavam de "Índias Negras", exactamente por terem contribuído tanto quanto as "Indias Orientais" para a riqueza do Reino Unido.

No capítulo dezoito desta obra, alguns dos personagens de Verne estão a bordo de um pequeno vapor que cruza o lago Katrine, logo acima das ricas cavernas, quando...

"... se manifesta dentro do lago assombroso fenómeno. A bordo, ainda que o navio estivesse meia milha afastado do cais, sentiu-se um choque, imprevisto e violento.
A quilha do vapor tinha encalhado no fundo, sendo inúteis todos os esforços para o arrancar dali.
É que o lago Katrine acabava de esgotar-se quase subitamente, como se por debaixo de seu leito se houvesse produzido imensa abertura. Poucos segundos depois, o lago estava completamente seco! Parecia uma praia vazante, por ocasião das grandes marés equinociais. As suas águas tinham-se escoado através das entranhas da terra!"

A explicação
Conta o mestre Verne:

"O leito do lago Katrine desmoronara-se subitamente e as águas haviam irrompido na hulheira logo abaixo através de uma larga fenda. Do lago nada restava que chegasse para molhar os lindos pés da Dama do Lago. Ficara reduzido a um charco de alguns acres, no ponto onde seu leito se encontrava a um nível superior ao da parte desmoronada.

A notícia do estranho acontecimento espalhou-se com rapidez. Era a primeira vez, sem dúvida, que um lago inteiro se esvaziava em curtos instantes nas entranhas do solo. Os geógrafos do Reino Unido tinham agora de riscá-lo dos mapas..."

Verne conclui:
"O acidente, contudo, era explicável e nada tinha de incompreensível.
Efectivamente, os terrenos secundários, entre o leito do lago e as minas de carvão de Nova Aberfoyle estavam reduzidos a uma delgada camada de terra, em consequência de uma disposição geológica particular àquela parte da crosta terrestre."

Um pequeno terramoto, ou mesmo uma acomodação geológica, como a que abriu a fenda no fundo do Katrine, quase inundando as hulheiras escocesas na aventura verniana, foi a causa do desaparecimento do lago chileno.
A fenda agiu como um verdadeiro ralo, esgotando suas águas para um espaço cavernoso situado logo abaixo dele.

Veja aqui as reportagens: Bbc.co.uk, Globo.com, Portugal Diário

Texto escrito por Carlos Patrício e cedido gentilmente para o blog JVerne.

domingo, 1 de julho de 2007

Crítica 'Robur, o Conquistador (1886)'

A ficção científica tem bem mais do que a sua conta de personagens anti-sociais mas geniais, poços frequentemente irascíveis tanto de inteligência como de arrogância e desprezo pelo comum dos mortais. Não é o único género em que este tipo de personagem surge, naturalmente, mas na FC ele é particularmente abundante, e por cada Nero Wolfe ou Sherlock Holmes que surgem noutros tipos de literatura haverá na FC uns dez capitães Nemo ou Professores Challenger.
Robur, o Conquistador, é mais um membro desse ilustre clube.
Não é, aliás, a única personagem deste romance que partilha dessas características. Quer o Uncle Prudent quer o Phil Evans, as outras duas personagens principais do livro, não são desprovidos de arrogância ou inteligência. Mas não ponhamos a carroça à frente dos bois e comecemos pelo princípio.

De forma algo incaracterística no contexto da obra de Verne, Robur, o Conquistador inicia-se envolto em humor. Começa por descrever uma série de acontecimentos insólitos que giram em torno de estranhas luzes ou sons sobre várias cidades do mundo inteiro e toda a agitação e disputas que esses acontecimentos ocasionam nos meios académicos, alvos de um sarcasmo impiedoso nesse primeiro capítulo. Logo em seguida, Verne conduz-nos a Filadélfia e a uma tempestuosa reunião de um clube de balonistas, o Weldon Institute, onde somos apresentados às três personagens principais sem que o sarcasmo esmoreça. Uncle Prudent é o presidente do Weldon Institute e de uma facção dentro dele e Phil Evans é o cabecilha da facção oposta, dedicando-se ambos a discutir com toda a veemência que se possa imaginar a posição mais adequada de um propulsor num dirigível. E é nesse momento que Robur irrompe pela sala adentro acusando todos aqueles defensores do mais leve que o ar de não passarem, bem vistas as coisas, de um bando de patetas, o que causa um burburinho que é fácil de imaginar.
Sai Robur da sala, perseguido por vaias e insultos, dá o Uncle Prudent por finda a assembleia e sai também, ainda embrenhado na discussão com Phil Evans, os dois acompanhados por Fricollin, o criado negro de um deles, e o romance toma aí o rumo aventuresco mais habitual nas histórias de Verne, se bem que intercalado por tentativas de humor muito menos bem sucedidas do que a princípio, girando em geral em torno do criado Fricollin, que é retratado como um poltrão ignorante, supremamente preguiçoso e indigno de confiança.

E entramos numa espécie de versão condensada e aérea das Vinte Mil Léguas Submarinas. O capitão Nemo é agora Robur, outro homem misterioso, detentor de uma tecnologia revolucionária que neste caso é uma espécie de Nautilus aéreo, o Albatroz, um aparelho semelhante ao helicóptero mas com uma multiplicidade de rotores em vez de apenas um. Os dois balonistas e o criado vão acabar na mesma posição do Professor Aronnax e companheiros: raptados e sem possibilidade de fuga, a bordo do aparelho comandado por Robur e tripulado por uma tripulação que lhe é tão fanaticamente dedicada como a tripulação do Nautilus é a Nemo. E partem também numa viagem em volta do globo, sem fim à vista.
Ou seja: num romance publicado quase vinte anos depois da longa viagem submarina a bordo do Nautilus, Verne repete tema e enredo de forma condensada (este livro tem apenas um terço da extensão das Vinte Mil Léguas Submarinas), e até personagens, como se o objectivo de escrever este Robur fosse pouco mais do que apresentar a nova ideia de maravilha tecnológica e descrever algumas coisas que se poderiam fazer com ela caso existisse, e o autor tivesse decidido que isso bastava para tornar o livro interessante. Mas esse facto transforma este romance num sucedâneo e portanto num romance menor, que ainda por cima se revela tingido de racismo, sempre desagradável mesmo que saibamos bem que a ideologia da superioridade do homem branco era a fruta da época a que só muito poucos eram capazes de escapar.
Apesar de tudo, Verne é sempre um óptimo contador das histórias mais extraordinárias, em especial quando não se deixa perder em descrições demasiado longas. E assim, a leitura de Robur, o Conquistador flui com bom ritmo, e acaba por deixar qualquer coisa ao virar a última página: a ideia do Albatroz, precisamente, no fundo a personagem fundamental neste livro.
E com uma tradução de bom nível (e já muito antiga) remata-se um livro que em geral é agradável. Se aqui houvesse meias estrelas talvez desse três e meia, mas não há e fecho nas: ★★★★

Crítica escrita por Jorge Candeias, um dos melhores críticos nacionais, e cedida gentilmente para o blog JVernePt. É o autor do magnífico site E-nigma, Revista Electrónica de ficção-científica e fantástico, um site que eu recomendo bastante.

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