A. J. Ferreira é o nome literário de António Joaquim Ferreira, um dos raros estudiosos e investigadores portugueses na área da banda-desenhada e literatura juvenil.
Dedicado a autores, ilustradores, editores, A. J. Ferreira investigou todo o tipo de revistas, jornais, livros publicados em Portugal.
Num trabalho meticuloso, que lhe tem ocupado anos, na tarefa de folhear todo o tipo de publicações, quer próprias, quer do acervo da Biblioteca Nacional, A. J. Ferreira indica em pormenor autores e publicações. Foi o caso do artigo “
Como Jules Verne conquistou Portugal” no seu
Jornal Infantil Português Ilustrado, apresentado de Julho a Novembro de 1994, onde relaciona a obra do escritor francês com as suas primeiras editoras portuguesas, “Horas Românticas” de David Corazzi, Livraria Bertrand e outras.
Com a cedência autorizada pelo próprio, iremos transcrever (com algumas modificações afim de o tornar mais actualizado), e em exclusivo para o
Blog JVernePt, o seu artigo que irá sendo disponibilizado (dividido em três partes) durante o mês de Agosto.Será, com certeza, um artigo bastante interessante principalmente para aqueles que possuem edições antigas das obras vernianas e que gostariam de conhecer um pouco mais sobre elas.
Jules Verne encontrou o caminho da glória em 1862, com o romance
Cinco semanas em balão, aventuras através de uma África desconhecida. Doze anos depois (enquanto publicava no seu país
A ilha misteriosa) foi apresentado aos portugueses – há centro e trinta e quatro anos.
A
Empreza Horas Românticas, de David Corazzi, foi o eco em Portugal da prestigiada casa Hetzel
e das suas grandiosas edições vernianas: as
Voyages Extraordinaires da
Bibliotèque d’Éducation et Recréation. Os volumes portugueses, de dimensões sensatas, impressos em belo tipo e bom papel, mantiveram o tamanho e a qualidade das ilustrações originais, e eram, na opção de luxo, “encadernados em percalina e dourados na capa e por folhas”. Ainda se encontram destes, um ou outro, em dias felizes, no mercado alfarrabístico.
O meu estudo levou-me a concluir que a proliferação das edições, a frequente emissão do número de ordem e das datas, deixam livreiros e leitores na ignorância do que vendem e do que compram, e levam a dar a foros de primeira edição ao que realmente não o merece.
Historiemos então a evolução das características visíveis.
Da Terra à Lua foi a “viagem” escolhida para estreia, em 1874, e a publicação, como seria de esperar, foi levada a cabo em fascículos, ou cadernetas, semanais de 32 páginas, tendo cada uma dela 32 linhas.
O jornal
Diário Ilustrado noticiou em 12 de Março desse ano, a saída da primeira caderneta, com 6 gravuras, e traduzida por um “cavalheiro que junta a um bom e sólido talento uma grande ilustração”. A obra foi tipografada na Imprensa Nacional (Lisboa).
O editor vendia a obra completa, brochada, por 900 réis (os preços iriam variar entre 900 e 1100 rs). As opções de luxo, encadernadas, eram acrescidas de 300 réis.
A segunda viagem,
À volta da Lua, foi já impressa em tipografia própria, a
Typographia das Horas Românticas na Travessa da Parreirinha
nº 5, sem data conhecida. O endereço da
Empreza Horas Românticas, Rua dos Calafates
, foi, por vezes omitido; e durante a publicação do oitavo capítulo,
Viagem ao centro da Terra, em
1875, a editora mudou-se para o nº 42 da Rua da Atalaya. Mais tarde, a tipografia também para lá se mudou, nºs 40-52.
Os brasões dos Editores gravados nas contra-capas indicam a época de feitura das capas, mas podem ser encontrados a encadernar textos impressos muitos anos antes, pelo precedente editor, e conservados em depósito, sem encadernação, até que o mercado solicitasse mais exemplares.
Em paralelo com a Viagem ao centro da Terra, foi editada em 1875, quase despercebidamente, uma outra novela de Jules Verne, A Galera Chancellor fora da Bibliotèque d’Éducation et Recréation e directamente em volume brochado, algo já visto na França e no Brasil.
Perante a ausência total de ilustrações
(tão importantes na obra de Verne) e o preço de 600 réis
, o desinteresse do público foi de molde a castigar David Corazzi pelo seu desajeitado passo (o formato menor e a menor letra dessa triste edição, não foram, por certo, os culpados, como se provaria onze anos depois, com uma melhor concebida “
Grande Edição Popular”, de que falaremos à frente (1886).
De 1879 (depois de
A Galera Chancellor) a 1882 (antes de
O raio verde), Corazzi editou um trabalho histórico de Jules Verne, intitulado
Histoire des Grands Voyages et des Grands Voyageurs.Divididos em três partes, como em francês, os seus seis volumes tiveram o título geral de As Grandes Viagens em vez de Viagens Maravilhosas, mas não deixaram de ser posteriormente incluídos na sequência de numeração das Viagens Maravilhosas e encadernados nas suas capas. Afinal, as “grandes viagens” não eram menos maravilhosas que as outras: na primeira edição, o frontispício ilustrado (que nem sempre existia nas edições das horas românticas) incluía o conhecido cartão de visita da página de rosto, onde fora substituído pela simples indicação da tipografia.
Em 1880 apareceram algumas alterações gráficas numa rotina que se aproximava de quarenta volumes: o pequeno monograma de David Corazzi, na página de rosto, foi substituído por outro (por baixo), e o seu nome, por extenso, intercalado no cartão-de-visita do pé da mesma página.
Em 1884 foi suprimido no cartão de visita
do editor, o termo “
Biblioteca Ilustrada de Instrução e Recreio”, e substituído pela informação das medalhas conquistadas nas Exposições e pelo endereço da filial no Brasil.
Dois anos depois (mas já dada como um facto em anúncios de 1885), enfim, a conquista das multidões (depois da falsa partida em 1875): Jules Verne a 200 réis, e com ilustrações.
A Grande Edição Popular não interferiu visivelmente com a continuidade da edição de luxo. Era publicada directamente em livro, e, tendo a edição de luxo perdido há muito tempo o ritmo das “entregas” semanais, chegou-se à simultaneidade dos títulos em 1890.
O formato, “in 8º francez”, significava que: os livros eram um pouco menores que a edição de luxo, dentro a mancha de texto era também menor embora o número de linhas tivesse subido de 32 para 35 (em menor tipo e menos espaçadas), as ilustrações eram reduzidas a duas e bastavam para inflamar a imaginação dos leitores.
A missão de David Corazzi estava cumprida, e o grande editor nada mais terá a dizer aos seus leitores de Jules Verne (embora, comercialmente, a epopeia continue).
O topo da página de rosto foi apresentado em duas fases (abaixo) sendo a primeira de curta duração e, talvez por lapso, privada do termo fundamental, Grande Edição Popular.
Estas capas, de origem francesa, cobriram Portugal (e também o Brasil) em vários tons de vermelho, verde, azul, amarelo…
Este novo formato veio a sofrer uma pequena redução (1 cm) a meio dos anos 20, com os números (1 a 82) inseridos na base lombada; e o termo “Viagens Maravilhosas” perdeu, por vezes, a sua obliquidade “belle-époque”, e acomodou-se em duas linhas horizontais, debaixo do balão. A mancha de texto não foi afectada por essa redução, apenas as margens foram sacrificadas. Em brochura, a Grande Edição Popular tinha capas sem gravuras, iguais às páginas de rosto, em papel espesso e cinzento.
A partir da 2ª edição de
O Paíz das Pelles em 1887, foi inserida uma “gralha” tipográfica providencial, “Impresa…”, onde antes se via “
Empreza Horas Românticas”; e em
1888 a tipografia das
Horas Românticas mudou-se para a Rua da Rosa, 309.