segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cargueiro espacial Jules Verne terminou missão

Os seis meses de vida do cargueiro espacial Júlio Verne passaram rápido e terminaram hoje. O aparelho de 13,5 toneladas desintegrou-se na região sul do Oceano Pacífico ao reentrar na atmosfera.

O cargueiro tinha sido fabricado pela Agência Europeia Espacial (ESA), especialmente para “alimentar” a Estação Espacial Internacional (ISS). O ATV (sigla em inglês para Veículo de Transferência Automatizada) levou cinco toneladas de mantimentos e combustível para a ISS e recebeu o lixo da Estação.

Foram necessários dois motores para desacelerar o cargueiro para este entrar na atmosfera. Os astronautas da ISS viram a luz projectada pelo veículo ao incendiar-se.

Tudo ocorreu correctamente. Esta foi a última parte da cadeia”, disse Simonetta di Pippo, directora do programa de voo espacial da ESA. Espera-se que a maior parte do veículo se incendeie e apenas fragmentos pequenos acabem por cair na água.

Foi uma corrida fantástica, tudo correu como o esperado. Apesar de ter havido emoções de todos os tipos, há muita satisfação depois de termos tido esta fantástica missão”, disse à BBC News, John Ellwood, o gestor do projecto do ATV no centro do controlador do cargueiro, em Toulose, França.

O Júlio Verne custou 1300 milhões de euros, foi o cargueiro mais complexo construído pela ESA. Os resultados foram tão bons, que os chefes de indústria da ESA já falam na construção de um novo cargueiro a partir de uma melhoria do projecto original para, por exemplo, transportar astronautas. Antes disso, contudo, é necessário desenvolver tecnologias para permitir que o próximo veículo volte para a Terra a salvo.

Nos próximos anos mais quatro ATVs vão abastecer a ISS, o próximo já em 2010. Provavelmente será um destes cargueiros que vai destruir a Estação, quando esta já não tiver mais manutenção, talvez no final da próxima década.

Fonte: Público

PS: Há uma foto dos cientistas na sala de controle, despedindo-se do cargueiro;
a foto ficou conhecida na Internet como "Bye bye Jules":



"Bye, bye, Jules"

Foto enviada pelo colaborador Carlos Patrício.

Fique com o vídeo da sua destruição:

domingo, 28 de setembro de 2008

Que dizem de uma volta ao Mundo?

Com o interessante post anterior escrito pelo amigo Ihering surgiu-me uma bela ideia que logo apresentei aos vários vernianos no fórum luso-brasileiro antes de aqui postar. A ideia foi bem recebida, estudada e, após várias mensagens trocadas, concluímos que talvez seja possível realizá-la. Mas para isso, será necessário a ajuda de todos os vernianos que se encontram no Mundo.

A origem desta ideia foi a frase "Espero que ele vá para bem longe e talvez, quem sabe, dê a volta ao mundo." do amigo Ihering que eu aproveito para saudar.
Bem, agora já imaginam qual seja a ideia, não é?



Na altura da comemoração do 180º aniversário (1828-2008) do nascimento de Júlio Verne, o nosso amigo e colaborador do blog Carlos Patrício teve o seguinte comentário num dos seus belos textos sobre o escritor francês: "Este ano será O Ano de Verne". E, não podia estar mais correcto...

Este ano de 2008 foi riquíssimo em elementos vernianos como o tema "Júlio Verne" no carnaval de Sesimbra, a chegada de Júlio Verne ao 1º lugar no concurso do site Jesuismort, o lançamento do selo "Júlio Verne - 130 anos da visita a Portugal" que percorreu o Mundo, o envio para o espaço do ISS "Jules Verne", o 1º filme em 3D baseado numa obra de Verne, o lançamento da colecção de luxo "Biblioteca Júlio Verne", etc...

E a faltar 3 meses para o final deste magnífico ano verniano, não podíamos deixar passar este tempo sem que nada se fizesse. Este ano terá que terminar em grande! E aqui entra a minha proposta.

De forma a homenagear J. Verne e o seu livro que nos fez viajar e nos levou a dar a volta ao Mundo, porque não trocarmos as posições e concretizarmos agora nós essa experiência a este magnífico livro?
Passo a explicar:

O desafio consiste em que o livro 'A Volta ao Mundo em 80 dias' de J. Verne (já comprado e pronto para a viagem) dê a volta ao mundo e regresse ao ponto de partida se possível no prazo dos 80 dias.
E como muito bem foi dito no fórum, teremos que ser um verdadeiro Phileas Fogg, ou seja, o itinerário terá que ser previamente elaborado/organizado e combinado com todos os vernianos que entrem neste movimento o que fazer e a quem enviar depois de o receber.
Além disso terão que se comprometer a enviar o livro e a seu próprio custo.

O livro será "monitorizado" via internet utilizando o nosso blog onde iremos publicar, junto com um breve texto, uma foto do verniano segurando o livro com um local/edifício/estátua famoso da sua localidade/país como pano de fundo de forma a provar a sua escala naquele local.
Além disso, utilizaremos também o programa Google Earth de forma a mostrar o trajecto do livro e assim ser mais fácil para os nossos visitantes ver o que já foi percorrido e o que falta percorrer.

Mas como já foi dito, isto só será possível com a ajuda da grande legião de vernianos que se encontram ao redor do Mundo. Dessa forma, pede-se aos vernianos que queiram participar neste movimento que entrem em connosco em português, espanhol ou inglês (jverne@portugalmail.pt) de forma a que possamos organizar desde já o itinerário da viagem. Já há participantes para o Brasil e Portugal.

Agradecemos também a publicidade deste novo movimento nos vários blogs/fóruns sobre o mestre J. Verne.

BookCrossing - Partilhe os livros que mais gostou

O que acha de dar aos personagens de Júlio Verne a oportunidade de se lançarem de novo em uma viagem sem destino pelo mundo? Você pode fazer isso! Como? Já explico!



Um dia desses estava perambulando pela internet e vi, por acaso, um artigo sobre o bookcrossing. Não sei se sabem mas o bookcrossing é simplesmente o acto de "perder" um livro com o propósito de que alguém o encontre, leia, e passe adiante com o mesmo gesto.

Depois de me informar sobre o bookcrossing estava decidido a libertar o meu primeiro livro.
Não queria simplesmente me desfazer de um livro qualquer, havia de ser um bom livro que despertasse a vontade de ler e passar adiante no afortunado que encontrasse.
Lembrei da A Volta ao Mundo em 80 Dias que o livro de mesmo nome do autor, Júlio Verne, me proporcionou, e julguei que não era nada mais que justo retribuir, não ao autor que já nos deixou, mas ao próprio livro, aquela viagem que me deu. Escrevi então um bilhete com as informações necessárias, colei na primeira página e deixei discretamente no banco do metro.

Espero que ele vá para bem longe e talvez, quem sabe, dê a volta ao mundo.

Sem dúvida que os livros de Júlio Verne são a melhor escolha quando se decide libertar um livro mas se não tiver nenhum do gaulês, faça-o com outro livro que gostou.

Vamos divulgar a literatura e partilhar o tal livro que nos fez sonhar, sorrir, ou viajar neste grandioso mundo que é o nosso planeta. Colabore!

Site oficial do bookcrossing [Bookcrossing]
Site em português que explica como fazer [BookcrossingPortugal]
Etiquetas que poderá colocar no seu livro [EtiquetasBookcrossing]

Texto escrito por Ihering Damasio e enviado para o Blog JVernePt.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Michael Palin - 20 anos depois

Faz hoje 20 anos longínquos que Michael Palin iniciou a sua viagem fazendo a rota do famoso livro de Júlio Verne “A volta ao mundo em 80 dias”.



A série não está à venda em Portugal apesar de há uns anos ter sido lançada junta com um jornal semanal.
No entanto aqui fica o vídeo da introdução da série:



Apesar de a série ser diferente do livro, vale a pena vê-la e assim conhecer um pouco mais o nosso mundo.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Ganhe HOJE o livro 'Viagem ao Centro da Terra'

O Blog JVernePt tem para oferecer 1 exemplar do clássico de Júlio Verne que deu origem à mais recente experiência em 3D a estrear nas salas de cinema.



Para se habilitar a ganhar este livro, só tem de responder criativamente à seguinte pergunta:

- Se tivesse de viajar ao centro da Terra e apenas pudesse transportar consigo um objecto, que objecto seria e porquê?

Regulamento:

  • O passatempo decorre entre os dias 24 e 30 de Setembro, inclusive.
  • A resposta deverá ser enviada para o email jverne@portugalmail.pt juntamente com o nome completo, email e morada para envio do prémio.
  • O passatempo está restrito a uma participação por endereço de email.
  • O Blog JVernePt reserva-se ao direito de eliminar participações que considere abusivas ou despropositadas.
  • As respostas serão analisadas por um júri composto pelos colaboradores do Blog JVernePt que escolherão os vencedores.
  • Ao participar no passatempo confirma que compreende e que aceita as regras estabelecidas.
Boa Sorte!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

'Journey 3D' em Blu-Ray

Satisfeitos com os 100 milhões de dólares da receita obtida nos os E.U.A., a Warner Home Video e a New Line Home Entertainment acabaram de anunciar o lançamento de Journey 3D Blu-Ray para 28 Outubro nos E.U.A.
Vamos ver se chega ao Brasil e Portugal, pelo menos, no Natal.



Esta edição irá conter um único disco, mas com ambas as versões (2-D e 3-D) e com quatro pares de óculos 3-D.

O filme será apresentado num formato 1,85 (Widescreen) em 1080p, e terá duas faixas de som DD5.1 Surround, inglês e espanhol, com legendas em ambas as línguas.

Os extras que acompanham o Blu-Ray são: um comentário de áudio por Brendan Fraser e realizador Eric Brevig, mais três documentários apresentados em alta definição: A World Within Our World ; Various Historical “Hollow Earth Theories” about what lies beneath our planet's crust ; Being Josh: Profiling 12-year old co-star Josh Hutcherson et How to make Dinosaur drool.



Esperamos que no mesmo dia seja lançado a versão em DVD com os mesmos extras.

Fonte: Blog de Passepartout

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Leya lança 'O Farol do Fim do Mundo'

A editora Leya lança esta semana uma nova colecção de livros intitulada BIS, composta por quinze títulos. Fiel à sua missão de tornar a leitura mais acessível, ao lançar a BIS, a Leya cumpre uma das suas promessas – e uma das suas apostas – essenciais: aproximar cada vez mais os leitores dos livros e dos escritores, com especial destaque para os que escrevem em língua portuguesa.

Os livros a publicar com a marca BIS são grandes obras de sempre, intemporais e consideradas fundamentais para o enriquecimento pessoal, cultural e intelectual de cada um. Impressos em papel de qualidade, apresentam um grafismo sofisticado e cuidado e um rigoroso trabalho de tradução e revisão. A BIS apresenta-se como uma colecção de livros adequados para ler em qualquer local.

Os livros da colecção BIS serão distribuídos nas livrarias, nos supermercados, nos aeroportos e nas estações de caminho de ferro, a um preço acessível a todas as bolsas (5,95€).

Para além dos quinze livros lançados este mês (ver lista no blog BIS) – e disponíveis nas livrarias a partir da presente semana - , novos títulos serão lançados no próximo ano, em Janeiro, Maio e Setembro como será o caso da obra de Júlio Verne, O Farol do Fim do Mundo.

Estaremos atentos afim de informar com antecedência a data de lançamento da obra citada.

Aqui vos deixo um vídeo publicitário da colecção BIS:

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Passatempo - Vencedor do Poster de 'Viagem ao Centro da Terra'

Foi difícil mas já temos o vencedor do magnífico Poster (versão em português) do filme 'Viagem ao Centro da Terra'.



Chama-se Alexandra Costa e, além de ter a resposta mais original à 4ª pergunta, respondeu correctamente às três primeiras questões.

Perguntas e Respostas:

-Qual o livro preferido de Max Anderson, pai de Sean e irmão do prof. Trevor Anderson?
'Viagem ao Centro da Terra' ou 'Journey to the Center of the Earth'

-Em que país da Europa os exploradores voltaram à superfície?
Itália

-Qual o nome do principal personagem de J. Verne que vai até ao centro da Terra?
Prof. Otto Lidenbrock

e a mais original,
-Quem levava consigo numa viagem ao centro da Terra e porquê?
A Alexandra respondeu: "Levava o meu cão Rex e uma máquina fotográfica para registar toda a beleza do centro da Terra. O cão, devido ao seu faro apuradíssimo, saberia qual o caminho a seguir e avisar-me-ia de certos perigos para além de encontrar depois a saída."

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

J. Verne no 'Google Earth'

A empresa Google conseguiu juntar o planeta Terra num só mapa e mostrar todos os países ao pormenor, as ruas, as casas, as árvores, uma a uma.



No Google Earth, download aqui, é possível fazer uma pesquisa detalhada do planeta.
Existem zonas do planeta com maior detalhe e outras com menos, mas o Google está constantemente a actualizar e a melhorar a base de dados. Com a ajuda dos utilizadores, qualquer um pode marcar locais neste espaço, assinalar o sítio onde é a sua casa, ou a rua que tem que ver com uma determinada notícia.
Foi o que fez um colunista do jornal espanhol La Nacion, que apaixonado pela obra de Júlio Verne "A Volta ao Mundo em 80 dias", desenvolveu um arquivo para o Google Earth que ao ser executado, coloca 19 marcas pelo programa que correspondem às 19 paradas de Phileas Fogg e do seu fiel escudeiro Passepartout - personagens de "A Volta ao Mundo em 80 dias"!
Para verem tudo isso, precisam em 1º lugar, instalar o programa Google Earth e depois fazer o download das localizações aqui.

Dias mais tarde, o mesmo colunista, desenvolveu outro arquivo para o Google Earth baseado na obra "Viagem ao Centro da Terra". O criador apenas marcou os pontos terrestres, visto que os outros encontram-se debaixo da terra. Ao ser executado, o arquivo coloca 14 marcas pelo programa que correspondem às 14 paradas do Professor Otto Liedenbrock. Vejam aqui.

Para não estragar a surpresa dos locais por onde Verne nos leva, apenas deixamos as localizações da acção destas duas obras. No entanto, fica o desafio para que os nossos visitantes deixem nos comentários as localizações da acção das vossas histórias preferidas. Vou deixar a minha.
Mas há outros locais, para além dos que se inserem nas Viagens Extraordinárias, que também merecem uma visita. É o caso, por exemplo, da localização das três casas do escritor em Amiens onde se inclui a Casa-Museu Jules Verne (casa da torre em Amiens), do Anfiteatro Jules Verne que o próprio inaugurou em 1889, do seu túmulo (acreditem, está mesmo debaixo da árvore), ou do Grand Hotel Central onde o escritor jantou com celebridades portuguesas aquando da sua visita (faz este ano 130 anos) de dois dias a Portugal.

Instruções:
1) Clique no link do arquivo. Vai aparecer uma janela a perguntar se deseja abrir ou salvar o arquivo;
2) Se optar por abrir o arquivo, ele será transferido e, depois, apresentado no Google Earth (o programa será executado se estiver fechado);
3) Se optar por salvar o arquivo, será necessário escolher uma pasta para guardá-lo. Depois, basta executá-lo para que o local seja apresentado no Google Earth.
4) Já com o programa aberto poderá ver do lado esquerdo o ficheiro com as suas várias localizações. Para as visitar, basta clicar em cada uma delas e deixar o programa correr.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

J. Verne e a Amazónia

Neste dia, 5 de Setembro comemora-se o Dia da Amazónia, a grande floresta do Mundo.

Como Júlio Verne nunca esteve na Amazónia, a paisagem real da sua obra foi desenhada a partir dos relatos de naturalistas que viajaram pela imensa floresta e a descreveram com as minúcias permitidas pelo conhecimento da época, como também pelas enciclopédias e pelos jornais que lia sistematicamente todos os dias.

A essas pesquisas associava-se uma imaginação literária e poética de grande sensibilidade político-social que valorizava a importância da ciência e da tecnologia.
Como disse o filósofo e escritor Michel Serres: “Desde a morte de Verne falta um escritor que dê à ciência o valor que ela merece. Até hoje, o próprio nome Júlio Verne evoca as imagens de um mundo onde o cientista era uma mente preocupada em preservar um futuro feliz e justo para a humanidade.

A Jangada


O que poderia justificar que sete anos depois da publicação da A Galera Chancellor (1874), Júlio Verne tenha retornado às águas amazonenses? O romance A Jangada, oitocentas léguas pelo Amazonas, é o primeiro de três romances de Júlio Verne consagrados exclusivamente ao curso de rios (os outros dois são: O Soberbo Orenoco, de 1898 e O Piloto do Danúbio, de 1908). Ao contrário do que ocorreu na A Galera Chancellor, a trajectória da jangada dá-se no sentido oposto: a embarcação construída numa pequena aldeia desce o rio Amazonas.

A Jangada é o relato de uma viagem até Belém, realizada pela família de um próspero fazendeiro que habitava Iquitos. O romance tem um duplo objectivo. O primeiro - anunciado para todos os membros da família -, era o casamento de Minha, a filha de João Garral, com um colega de estudos do irmão dela; o segundo era a solução de um problema jurídico de natureza criminal.

Na realidade, João, o pai, tinha as suas razões secretas: mesmo correndo o risco de uma execução, desejava obter a revisão de uma sentença que o condenara injustamente à morte pelo roubo de diamantes, 26 anos antes. Na época em que foi acusado, Garral trabalhava nas minas imperiais do Brasil em Vila Rica (hoje Ouro Preto), sob o nome verdadeiro de João da Costa. Depois de escapar à perseguição das autoridades foi morar em Iquitos, onde fez fortuna. De lá, partiu para recuperar sua inocência, depois de mais de um quarto de século.

Uma vez que o objectivo anunciado era um projecto familiar, Garral imaginou um meio de transporte que permitisse deslocar-se com toda a família. Com esta finalidade decidiu pela construção de uma enorme jangada, na verdade, uma gigantesca aldeia flutuante, capaz de conduzir todos os membros de sua fazenda pelo rio abaixo até Belém.

Uma 'mini-jangada' a subir o Amazonas

Profunda admiração pela Natureza

Ao lado dessa visão preconceituosa encontramos as mais belas, e por que não dizer, poéticas descrições sobre a natureza amazónica, nas palavras da personagem Minha:
Nada de mais magnífico que a parte direita do Amazonas. Aqui, numa confusão pitoresca, levanta-se uma grande quantidade de árvores diferentes, que, no espaço de um quarto de légua quadrada, podemos contar até cem variedades dessas maravilhas vegetais. (...) É uma sinfonia curiosa perante a qual nenhum indígena pode ficar indiferente. (...) Aqui revelam-se os mais belos representantes da ornitologia tropical. Os papagaios verdes, as araras barulhentas parecem ser os frutos naturais dessas gigantescas essências”.

Essa profunda admiração pela extraordinária mega biodiversidade é talvez um dos pontos mais objectivos da obra de Verne.

Diante do entusiasmo de Minha com referência à beleza e à riqueza da floresta amazónica, ela proíbe o irmão de usar o fuzil como caçador. Nesse trecho do romance, encontramos uma das mais belas conceituações relativas aos princípios do que seria a ecologia, disciplina científica que teve somente o grande desenvolvimento na segunda metade do século XX. Era a extraordinária perspicácia de Júlio Verne em antever os princípios do equilíbrio ecológico, justificando, sem dúvida, a admiração que cerca o trabalho de antecipação científica do escritor francês.


Interesse do autor é razão da escolha amazónica

A razão pela qual Júlio Verne - considerado o criador do romance geográfico - retornou à Amazónia está, sem dúvida, associada ao seu interesse de estudar - sob o ponto de vista geográfico - todas as regiões do globo terrestre; em especial aquelas que, por serem pouco exploradas, possuíam um belo aspecto misterioso, capaz de atrair não só a sua admiração, mas principalmente a dos seus leitores. Aliás, o seu interesse pelas viagens exploratórias estava associado à sua devoção pela natureza, em particular, características exóticas que envolviam a floresta amazónica, assim como a liberdade que dominava a vida nessas regiões longe da civilização.


O longo período de sete anos, que decorreu entre os romances A Galera Chancellor e A Jangada, deve estar associado ao seu grande interesse em concluir a sua pesquisa sobre a Amazónia. Com efeito, as referências ao Rio Amazonas e à floresta são sempre de admiração, os personagens manifestam-se assim:
O maior rio de todo o mundo!”.
O mais admirável e vasto sistema hidrográfico que existe no mundo!”.


Os viajantes: fontes bibliográficas de Verne.

Aliás, toda a visão sobre esse imenso território, que despertou o interesse dos viajantes estrangeiros que desde o século XVI estiveram a explorar e relacionando a riqueza da região: Orellana, oficial de um dos irmãos Pizarro, desceu o Rio Negro em 1540; Pedro Teixeira, o português que subiu o Amazonas até o encontro com o Rio Napo, em 1636; La Condamine, cujas pesquisas permitiram estabelecer de forma científica o curso do Amazonas, tendo sido completada por Humboldt e Bonpland, 55 anos mais tarde.

O próprio Júlio Verne relacionou os nomes de inúmeros exploradores e cientistas que estiveram na Amazónia. No livro de Verne, podemos verificar as informações de Bates, Agassiz, Humboldt, Spix, Martius, d’Orbigny, Condamine, entre outros. E foi a partir daí que Verne construiu a base científica do seu romance.

Na realidade dezenas e dezenas de aventureiros que exploraram e reviraram a região de ponta a ponta, como muito bem definiu Michel Riaudel, que concluiu, enquanto esperava ser beneficiado nessas viagens.

O Brasil ambicionava controlar melhor um território subpovoado enquanto as potências financiadoras esperavam tirar vantagens políticas, económicas ou comerciais.
É fácil verificar em Verne a visão do mundo dominante na época em que foi escrito o livro. Hoje é alvo de especulações e inveja de grande parte das nações do mundo, principalmente das poderosas, cujo grande objectivo é apoderar-se de uma dádiva que veio florescer em pleno território brasileiro a riqueza da Amazónia.

Mega-biodiversidade

Ao lado desta visão preconceituosa encontramos as mais belas e porque não dizer poéticas descrições sobre a natureza amazônica, nas palavras da personagem Minha:

Nada de mais magnífico que a parte direita do Amazonas. Aqui, numa confusão pitoresca, se levanta uma grande quantidade de árvores diferentes, que no espaço de um quarto de légua quadrada, podemos contar até cem variedades dessas maravilhas vegetais. (...) É uma sinfonia curiosa perante a qual nenhum indígena pode ficar indiferente. (...) Aqui se revelam os mais belos representantes da ornitologia tropical. Os papagaios verdes, as araras barulhentas parecem ser os frutos naturais dessas gigantescas essências.

Esta profunda admiração pela extraordinária megabiodiversidade é talvez um dos pontos mais objetivos da obra de Verne.

Diante do entusiasmo de Minha com referência à beleza e à riqueza da floresta amazônica, ela proíbe o irmão de usar o fuzil como caçador. Nesse trecho do romance, encontramos uma das mais belas conceituações relativas aos princípios do que seria a ecologia, disciplina científica que teve somente o grande desenvolvimento na segunda metade do Século 20. Era a extraordinária perspicácia de Júlio Verne em antever os princípios do equilíbrio ecológico, justificando, sem dúvida, a admiração que cerca o trabalho de antecipação científica do escritor francês.


A desflorestação da Amazónia

Salvar a Amazónia

Mas Verne também queria evitar que isto acontecesse, queria salvá-la, queria que quando falássemos em Amazónia nos lembrássemos da sua densa floresta tropical, biodiversidade incrível, da sua riqueza.

E ajudando o "Pulmão do Mundo" é com certeza algo que Verne gostaria e se sentiria orgulhoso pela sua obra ser um motor de arranque para este movimento.
E como a podemos salvar? Para começar, por exemplo, e se for uma das vencedoras já é um bom caminho, podíamos votar na grande floresta para ser eleita uma das 7 Maravilhas da Natureza no Mundo.
A organização das 7 maravilhas abriu essa votação e será uma chance para nós começarmos com o nosso movimento.

Esta vitória seria com certeza uma forma de homenagear J. Verne, neste ano em que se comemora o 180º aniversário do seu nascimento, como também a Amazónia, a personagem principal da magnífica obra que é A Jangada.

Fonte: Vários artigos sobre a Amazónia e Verne, A Jangada e citações do astrónomo/verniano Ronaldo Mourão.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

"Viagem ao Centro da Terra", o mais visto na última semana em Portugal

O filme "Viagem ao centro da Terra", rodado em digital a três dimensões, entrou directamente para o primeiro lugar de exibição nos cinemas portugueses, destronando a animação "Wall-E", segundo dados do Instituto do Cinema e Audiovisual.

Inspirado num clássico de Júlio Verne e realizado por Eric Brevig, o filme foi visto por 57.565 espectadores entre 28 de Agosto e 03 de Setembro.

Em segundo lugar figura "Babylon AD", do realizador francês Mathieu Kassovitz, também em semana de estreia, com 53.720 espectadores.

A animação "Wall-E", de Andrew Stanton, que liderou durante duas semanas, desceu para o terceiro lugar com 47.595 espectadores.

Todos os dez filmes mais vistos na última semana em Portugal são de produção ou co-produção norte-americana.

Leiam a crítica do Blog JVernePt.

FONTE: Agência LUSA

Missão “Jules Verne” chega ao fim

Está prestes a terminar a missão Júlio Verne: esta sexta-feira dia 5 às 22h30, a nave abastecedora europeia vai separar-se da Estação Espacial Internacional, dando por concluída uma missão bem sucedida de cinco meses durante os quais forneceu água, oxigénio e capacidade de propulsão à Estação.

A 29 de Setembro, e após uma viagem de três semanas no Espaço, esta nave desintegrar-se-á aquando da sua reentrada na atmosfera.

Não se preocupem que o livro 'De la Terre à la Lune', edição luxuosa original do século 19, e os dois manuscritos de J. Verne continuam seguros na Estação Espacial Internacional como mostramos no passado dia 19 de Julho.

Poderão ver alguns vídeos que retratam a história do ATV aqui.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O encontro com Nellie Bly em 1889

O encontro com Nellie Bly em 1889
por
Herbert Lottman

Em 1889, Nellie Bly, jornalista nova-iorquina do World, propôs-se a bater o recorde de Phileas Fogg, em referência ao livro A volta ao mundo em oitenta dias (escrito por Júlio Verne). O jornal para que trabalhava manteve o suspense do dia-a-dia das crónicas da façanha. Vestida com roupa de homem, gorro, botas e uma pequena mala de viagem, Nellie Bly partiu de Nova York a 14 de Novembro de 1889. Primeiro atravessou o Atlântico, chegou a França onde entrevistou Júlio Verne, passou por África, Índia, Japão, e depois de atravessar o Pacífico entrou no território americano aproximando-se pouco a pouco ao ponto de partida. Por cada cidade que passava, Nellie enviava as suas notas. Os leitores apostavam no dia em que chegaria. Nellie regressou a Nova York a 25 de Janeiro de 1890. Tinham decorrido 72 dias, seis horas e dez minutos. Para a sua proeza tinha-se valido de cavalos, barcos, carruagens e muitos camelos. Bly estabeleceu um novo recorde mundial ao dar a volta ao mundo em tão pouco tempo, mas meses depois, George Francis Train rompeu esta nova marca ao completar a dita viagem em 62 dias.

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Elizabeth Cochrane era oriunda de uma localidade na Pensilvânia. Começou sem querer a sua carreira de jornalista ao escrever ao redactor-chefe do Pittsburgh Dispatch para protestar contra um artigo com um conteúdo muito tradicional que se intitulava: «Para que servem as mulheres?». Não há dúvidas que era uma pioneira no terreno do feminismo. Em 1889, com o pseudónimo de Nellie Bly, estava no topo da sua carreira e a ponto de se converter numa celebridade de fama mundial, apesar de apenas ter vinte e dois anos. De insolente beleza e atitudes determinadas, vestia roupas práticas e cómodas e parecia disposta a tudo. Um ano antes havia conseguido ingressar num famoso manicómio situado numa ilha do East River, perto de Manhattan, e passado lá dez dias acumulando informação para o jornal diário nova-iorquino The World de lord Joseph Pulitzer. O resultado dessa estância foi uma serie de artigos contundentes e um livro: Ten Days in a Madhouse (Dez dias num manicómio).


Nellie Bly em 1890

Tratava-se agora da intrépida jornalista encomendar a Pulitzer uma ambiciosa e agressiva campanha que havia de assegurar ao World (em cujo cabeçalho surgia a seguinte afirmação: «Garantimos que a nossa tiragem é maior que a soma da de todos os jornais americanos») a primeira posição na feroz competição que enfrentava aos jornais diários nova-iorquinos. Para isso Nellie Bly propôs-se a dar a volta ao mundo, com o propósito de que bater o recorde de oitenta dias de Phileas Fogg. «É o grande sonho de Júlio Verne compatível com a realidade?», perguntava o director do World a 14 de Novembro de 1889. O artigo prometia que o jornal ia converter esse sonho em realidade. «Vários milhares de pessoas têm lido com interesse a viagem imaginária que Júlio Verne, esse príncipe dos sonhadores, conseguiu proporcionar à sua personagem, Phileas Fogg.» Ninguém tinha levado a cabo uma proeza assim na vida real e, portanto, «correspondia ao World abrir uma brecha nesse campo, como o tem feito já em tantos outros. Hoje às 9.30h, Nellie Bly, que tão bem conhecem as milhões de pessoas que têm lido os palpitantes relatos onde tem referido pessoalmente as suas proezas, irá se pôr a caminho, como uma autêntica Phileas Fogg do sexo feminino [...].»

Ao narrar a sua aventura, o Phileas Fogg do sexo feminino afirmou que a viagem foi ideia sua. Tinha por costume pensar aos domingos e submeter, no dia seguinte, à aprovação ou à rejeição do seu redactor-chefe as ideias que lhe tinham ocorrido. Antes de lhe falar sobre isso, tinha-se informado numa companhia de navegação e descoberto que se podia cobrir o itinerário em menos de oitenta dias. Inteirou-se logo de que o seu jornal tinha já previsto uma volta ao mundo, mas com um jornalista masculino. O director afirmou que ela não podia realizar essa viagem sem protecção, que levaria muitas malas e que, além disso, apenas falava inglês... Insistia que apenas um homem pode levar a cabo esse desafio. «Muito bem –recordava o que havia respondido, furiosa-. Envie um homem e eu sairei ao mesmo tempo em representação a outro jornal e ganharei.»

Está claro que Nellie saiu. A reportagem foi adoptando infinitas modalidades. Até nos dias em que não chegava nenhum telegrama de Nellie Bly, o World podia falar aos leitores das toneladas de cartas que o jornal recebia -algumas delas eram, inclusive, pedidos de casamento-. Mais tarde, o jornal foi alimentando o suspense com noticias de veículos de caminhos de ferros que se atrasavam e outros transbordos falhados, ou com possíveis naufrágios. Nellie tinha embarcado num navio chamado Augusta Victoria e o jornal referia que outro barco, no que ela deveria estar a viajar, tinha-se atrasado devido a uma tempestade ou que tinha estado a ponto de naufragar. Depois, a 22 de Novembro, a primeira página informou:

«NELLIE BLY NO OUTRO LADO. APÓS UMA ACIDENTADA VIAGEM, A GLOBE-TROTTER DO WORLD ENCONTRA-SE HOJE EM SOUTHAMPTON. CONTANDO COM TEMPO SUFICIENTE, VISITARÁ JULIO VERNE NA FRANÇA.»


A volta ao mundo de Nellie Bly

A visita a Júlio Verne foi uma improvisação, ou, pelo menos, é o que conta a lenda. Segundo Nellie Bly, Júlio e Honorine tinham escrito ao correspondente do World em Londres a perguntar se seria possível que a jornalista passasse em Amiens ao cruzar o continente. «Oh! Como eu gostaria de os conhecer!», exclamou esta. Sentia não ter tempo para o fazer. «Se poder aguentar duas noites sem dormir nem descansar, creio que é possível», respondeu o correspondente (um tal Tracey Greaves). Mas, algum tempo depois, o correspondente em Paris desse mesmo jornal, o inglês Robert Sherard, apresentou uma versão mais fidedigna dos acontecimentos. «Pensamos que seria uma boa publicidade para a "história" que a jovem conhecesse Júlio Verne em Amiens enquanto cruzasse França a caminho de Brindisi. Ao princípio, o velho cavalheiro [quer dizer, Júlio Verne] não compreendia onde estava o interesse de semelhante encontro e teve-se que recorrer a uma certa dose de persuasão para conseguir aceder a ele. A tarefa era um tanto mais dificultosa pois estávamos aproveitando a sua amabilidade para os nossos próprios interesses.» Tal foi o espontâneo convite de Júlio Verne! Em qualquer caso, o encontro foi um êxito. «Recorri a muita conversa para despertar o interesse de Verne pelo acontecimento -recorda Sherard- que teve a amabilidade de receber na estação de Amiens com um ramo de flores a jornalista americana.»

«Ao vê-lo -referiu Nellie- senti o mesmo que teria sentido qualquer mulher na mesma situação. Perguntei-me se levaria a cara manchada de fuligem e se estaria despenteada. Disse a mim mesma com uma certa melancolia que se tivesse viajado num veículo de caminho de ferro americano teria podido arranjar-me durante a viagem, para descer do veículo em Amiens e saudar o ilustre escritor e a sua mulher tão asseada e bonita como se os tivesse recebido na minha própria casa.» Verne, por seu lado, está encantado por conhecer «esta jovem e formosa norte-americana», como contou numa carta ao jornal Le Temps. «Miss Bly [...] pareceu-me muito enérgica e muito determinada. Parecia uma jovem perfeitamente capaz de acabar a viagem no prazo previsto.»

Júlio abriu caminho até aos coches que esperavam à frente da estação. Nellie caminhava junto a Honorine, calada pois não falavam o mesmo idioma. «Caía a tarde. Durante o percurso pelas ruas de Amiens, pude ver por breves momentos lojas tentadoras, um parque muito bonito e muitas amas que empurravam carrinhos de bebé», lembra Nellie Bly. O coche de Júlio Verne seguia perto do seu. «Aumentou o passo para se juntar a nós e abriu uma porta que havia no portão», conta. Até mais à frente não tinha reparado no leve coxear do escritor. «Um cão negro e fraco apressou-se a dar-me as boas-vindas. Aproximou-se com um salto, um olhar doce e cheio de afecto. Embora goste de cães e me tenha agradado a forma como este me recebeu, não deixei de ter medo que as suas veementes carícias manchassem a minha dignidade e me fizesse cair de joelhos na casa do célebre francês.» Subiram a escadaria em mármore, cruzaram um «precioso jardim de Inverno, que não estava lotado de flores -comenta a jovem- mas que contava com a quantidade precisa para que se pudesse ver e apreciar a beleza das diferentes plantas», e chegaram a um amplo salão onde Honorine acendeu a lareira «com as suas próprias mãos». A visitante teve então tempo de se fixar no famoso Júlio Verne: «Os cabelos, brancos como a neve, brilhavam num artístico despenteado. Ocultava a parte inferior da cara uma espessa barba, cuja brancura rivalizava com a do cabelo, mas tanto as cores sãs da pele e o luminoso brilho dos olhos negros, velados por espessas sobrancelhas brancas, como a palavra ágil e os gestos animados, mostravam energia, vida e entusiasmo.» Calculava que pudesse medir à volta de um metro e sessenta e cinco de altura.

É evidente que conversaram recorrendo a um intérprete, Sherard. «Esforço-me por me manter informado do que ocorre nos Estados Unidos e agradam-me muito as centenas de cartas que os norte-americanos que lêem os meus livros me enviam –disse-lhe Verne-. Não posso imaginar nada mais tentador que viajar pelo seu país desde Nova York até São Francisco.» Ela descreveu-lhe o seu itinerário que, desde Amiens, a iria levar de novo a Calais para tomar o expresso com destino a Brindisi. Lá, embarcaria rumo a Port-Said, Israel, Suez, Adén, Colombo, Penang, Singapura, Hong Kong, Yokohama, São Francisco e Nova York. «Porque não vai a Bombaim, como o meu personagem Phileas Fogg?», perguntou Verne. «Porque me interessa mais ganhar tempo do que salvar uma jovem viúva», respondeu ela. «Quem sabe se não salva um jovem viúvo antes de regressar», disse Júlio Verne com um sorriso. E ela «sorriu com um sentimento de superioridade, como o farão sempre as mulheres livres de obsessões perante insinuações nesse sentido».

Mas tinha chegado a hora de retomar a viagem. Se perdesse o transporte de Calais, restava-lhe regressar a Nova York, pois perderia uma semana. Todavia, pediu a Júlio Verne que lhe mostrasse rapidamente o seu local de escrita. «Ao ver o resto da casa -recorda-, tinha imaginado que o local de escrita do senhor Verne seria um quarto muito belo. Mas, ao entrar nele, fiquei muda de espanto. Abriu a portada da janela, a única da habitação, e a senhora Verne apressou o passo para nos alcançar e acendeu a lâmpada de gás colocada em cima da lareira.» Que quarto tão pequeno!, pensou, atónita, a jornalista. É quase tão pequeno como o gabinete de minha casa. «Era também um quarto austero e desnudo. Debaixo da janela havia una mesa de trabalho e foi espectacular não ver nela a acostumada desordem que costuma cobrir as mesas dos escritores [...].» Por cima da mesa havia um monte muito ordenado de manuscritos, que Júlio Verne permitiu examinar. Viu que havia palavras riscadas aqui e acolá, mas sem alternativa, o que indicava que introduzia melhorias no seu trabalho suprimindo detalhes supérfluos, que nada acrescentava. Não havia no quarto nada mais que um único assento -o da mesa de trabalho- nem mais mobiliário, além da mesa, cadeira e um baixo sofá. Desde a janela com persiana podia-se ver o bico da catedral. Aos seus pés, estendia-se o parque e, mais longe, abria-se o túnel do caminho-de-ferro.

Passaram, depois, para a enorme biblioteca, forrada de estantes desde o chão até ao tecto. O seu anfitrião mostrou-lhe um mapa que ela reconheceu logo: o itinerário de Phileas Fogg; com um lápis, Verne traçou nesse mapa o da jovem. Esta recordou mais tarde que tinha a intenção de fazer a viagem em setenta e cinco dias. «Se o fizer em setenta e nove, aplaudo-a efusivamente», respondeu. E disse depois em inglês, enquanto brindavam com os copos de vinho: «Boa sorte, Nellie Bly.»


Caricatura que representa a entrevista de Nellie Bly a J. Verne

Era na verdade uma noite fria. E apesar dos pedidos de Nellie Bly, os Verne acompanharam-na pelo pátio até ao portão. Ao virar-se viu como agitavam a mão para se despedir; «o vento glacial despenteava-lhe o cabelo branco ». Não perdeu os transbordos e foi capaz de «acima de tudo» pegar o correio de Brindisi, como contou no resumo enviado ao seu jornal. E fez, efectivamente, a volta ao mundo em setenta e dois dias, seis horas e onze minutos, apesar dos atrasos horários.


Em 26 de Janeiro de 1890, a primeira página do World estava completamente dedicada a Nellie Bly... e a Júlio Verne. «Bateu-se o recorde. [...] Milhares de pessoas saudaram Nellie Bly até ficarem afónicas. [...] O país inteiro cheio de entusiasmado fervor [...].» Um titulo realçava:

«JÚLIO VERNE ENVIA AS SUAS FELICITAÇÕES

O jornal tinha pedido umas palavras ao «mago de Amiens» e reproduzia agora a sua resposta telegráfica:

NUNCA DUVIDEI DO ÊXITO DE NELLIE BLY. A SUA AUDÁCIA TORNAVA-O PREVISÍVEL. HURRA POR ELA E PELO DIRECTOR DO WORLD. HURRA, HURRA!

Antes de Nellie Bly chegar a Nova York, Roben Sherard já tinha tomado o caminho de Amiens. Júlio Verne sabia que a jovem tinha desembarcado em São Francisco a 23 de Janeiro como também sabia que, graças às melhorias dos serviços ferroviários, apenas se demoraria cinco dias a cruzar os Estados Unidos. Mas estava confiante que a jornalista encontraria forma de ir ainda mais depressa; e foi o que esta fez, embora tenha de dar um desvio pois encontrou a via-férrea bloqueada pela neve.

«Estou encantada -confiou Honorine a Sherard-, ainda que não seja mais porque por fim o meu marido vai recuperar o sossego. [...] Todas as noites dizia: "Miss Bly deve de estar neste sítio, ou no outro." Costumava ir, ao cair da tarde, buscar o mapa-mundo ou o globo e assinalava-me o lugar em que provavelmente estava Miss Bly naquele momento. Cada dia marcava o seu avanço com bandeirinhas nesse mapa grande aí de cima.» O jornalista citou Verne: «É o que disse a minha mulher: lembrava-me continuamente de Miss Bly. O que mais pensava era: Deus, como eu gostaria de ainda ser livre e jovem! Ficaria encantado em fazer essa viagem, ainda mesmo nestas condições: dar a volta ao mundo a toda a velocidade, sem ver quase nada. Punha-me em marcha sem pensar duas vezes e oferecia-me a Miss Bly para a acompanhar.» E Sherard ouviu o comentário de Honorine: «Eu não teria achado graça nenhuma.»

Perguntando ao escritor se pensava usar Miss Bly em alguma obra, Verne respondeu com simplicidade: «É o mais provável. Embora não dê muito bem com as personagens femininas, vou começar a escrever dentro de nada um livro que se chamará "Lady Franklin" [iria se chamar, na verdade, Mistress Branican]. Mais tarde, irá me aparecer seguramente uma situação adequada para esse espectáculo tão bonito perante o que me pôs há mais ou menos setenta dias.»

Na já citada primeira página do jornal apareceria o resumo desta agradável conversa com outro título:

«VERNE DISSE: BRAVO»

O escritor francês encantado com o êxito da viajante do World
Grande triunfo jornalístico
Verne seguia o trajecto passo a passo nos seus globos terrestres
O seu Phileas Fogg derrotado
Uma apaixonante entrevista com o Mago de Amiens
A senhora Verne expressa-se em felicitações
Afluem de todos os lugares grandes elogios para o The World e seus representantes
Este êxito converteu o World no jornal mais famoso do mundo.

Entrevista retirada do site do verniano Cristian Tello e traduzida para português.

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Assim terminamos a série de 8 entrevistas a traduzir para português.
Todas as entrevistas estão colocadas por ordem cronológica de forma a que, quem clicar na secção correspondente, possa analisar a evolução destas.
São bem-vindos todos os comentários a estas belíssimas entrevistas. Participe!

Gostaria de agradecer (mais uma vez) a Carlos Patrício cuja ajuda foi fundamental para a concretização de mais um "sonho" nosso.

'J. Verne em casa' por Sherard em 1893

A entrevista que se segue é uma raridade.

Realizada por R. H. Sherard em 1893 e publicada nos EUA em Janeiro do ano seguinte, permaneceu inédita na França até Outubro de 1990, ao ser publicada na "Magazine Littéraire".1

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Revela um homem no ocaso da vida, adoentado e sem esperança de obter o reconhecimento que sempre desejou na sua pátria, embora tenha, mesmo em vida, obtido uma legião de leitores tanto na Europa como na América. Sobretudo, revela um pouco do processo criativo do grande precursor da moderna FC ocidental, que inspirou muitos leitores e influenciou muita gente na procura de textos de ficção-científica. Nesse ponto é importante notar que Verne não era apaixonado por ciência, mas por avanços industriais, e principalmente por geografia. Viajar para ele, era a grande aventura. Os seus escritos evidenciam isso, e sua imaginação criava as condições técnicas para impulsionar a trama, dono de um espírito determinado, detalhista, grande leitor e preocupado em criar um estilo elegante, costumava anotar tudo o que achasse interessante para poder utilizar num conto ou num romance futuros. Essas qualidades tornaram-no num escritor que soube conferir verosimilhança às suas aventuras, que aliada ao ritmo, ao humor e à originalidade dos temas, fizeram de Júlio Verne um verdadeiro imortal Mesmo que a Academia Francesa o tenha esnobado, o que costuma acontecer com os autores de fantasia e congéneres. (Finisia Fideli)

"O grande desgosto da minha vida foi jamais ter sido reconhecido na literatura francesa."

Ao pronunciar estas palavras, ele baixou a cabeça e na voz calorosa e jovial soou uma nota de tristeza. "Eu não sou reconhecido na literatura francesa", repetiu. Quem era este senhor idoso que falava assim, cabeça baixa, uma nota de tristeza na voz cordial? Um autor qualquer de folhetins baratos e populares, um homem de letras qualquer que jamais teve escrúpulos em declarar que considera sua pena um instrumento de fabricar dinheiro e que sempre preferiu possuir um lugar de destaque na Academia de Letras, em vez da glória e da honra? Não, por mais estranho e monstruoso que possa parecer, não era outro senão Júlio Verne. Sim, Júlio Verne, o vosso e o meu Júlio Verne, que encantou o mundo inteiro durante anos e continuará encantando através das gerações futuras.

Foi no ambiente agradável da sala de estudos da Sociedade Industrial de Amiens, que o mestre pronunciou estas palavras, com uma tristeza que nunca mais esquecerei. Era como se confessasse uma vida malbaratada, o desgosto de um homem velho, sem retorno. Senti-me penalizado ao ouvi-lo falar assim, e tudo o que pude fazer foi dizer, com entusiasmo sincero que, para mim e para milhões de outros, ele era um grande mestre, objecto de a nossa admiração e do nosso respeito incondicional, o romancista que nos encanta muito mais do que qualquer outro. Porém, sacudindo a cabeça grisalha, ele repetiu mais uma vez:

"Eu não sou reconhecido na literatura francesa."

Setenta anos, sempre robusto e vigoroso, deixando de lado o facto de que manca, com uma fisionomia que lembra a de Victor Hugo: como um velho capitão, vida plena e tez colorida. A pálpebra desce ligeiramente, mas o olhar é resoluto e claro, e de toda sua pessoa emana uma impressão de bondade e gentileza que sempre foram as características daquele sobre quem há anos escreveu Hector Malot: "Ele é o melhor dos meus melhores companheiros"; este homem que o frio e reservado Alexandre Dumas ama como a um irmão, e que jamais teve um único inimigo, a despeito de seu brilhante sucesso. Infelizmente tem preocupações quanto à saúde. Nos últimos tempos sua vista diminuiu e há momentos em que é incapaz de escrever, e dias em que uma gastrite o martiriza. Mas continua valente como sempre.

"Escrevi 66 volumes e se Deus me der vida, chegarei a 80".2

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Júlio Veme mora na Av. Longueville em Amiens, esquina da Rua Charles Dubais, numa bela casa espaçosa que aluga. É uma casa de três andares, com três fileiras de cinco janelas que dão para a Av. Longueville, três para a esquina e três outras para a Rua Charles Dubois. As entradas - de carros e outros - estão nesta rua. As janelas da Av. Longueville dominam a vista magnífica da pitoresca mas brumosa Amiens, com sua catedral e outras construções antigas. Diante da casa, do outro lado da avenida, passa uma linha de estrada de ferro numa vala que, justamente em frente do escritório de Verne, desaparece sob um jardim público, onde se ergue um grande quiosque, no qual a fanfarra militar se apresenta quando o tempo está bom. Na minha opinião, tal associação constitui o distintivo do grande escritor: o comboio, com o zumbido e o estrépito do ultra-modernismo, e o romance da música. E não é graças a esta associação da ciência e do industrialismo com tudo o que há de mais romântico na vida, que os romances de Verne possuem uma originalidade que não se encontra em nenhum outro escritor vivo, mesmo entre os que são mais reconhecidos na literatura francesa?

Um alto muro se ergue na Rua Charles Dubois, e oculta aos olhares do transeunte o pátio e o jardim da casa de Verne. Desde o instante em que bati à pequena entrada do lado e que em resposta ao carrilhão a porta se abriu, encontrei-me num pátio calçado. Em frente, a cozinha e as dependências comuns; à esquerda, um belo jardim ornado de árvores; e à direita, a casa, à qual conduzem largos degraus que se estendem pela fachada. Por uma varanda cheia de flores e de palmeiras, a porta de entrada dá ao visitante acesso ao salão. É uma peça ricamente mobilada, com mármores e bronzes, exuberante e rica decoração, poltronas bastante confortáveis - a peça de um homem abastado, que usufrui de jazeres, mas sem ostentação. Tem o ar de ser pouco utilizada, o que, aliás, é verdade. O Sr. e a Sra. Verne são pessoas bastante simples que de maneira nenhuma se preocupam com aparências, mas antes de tudo com a tranquilidade e o conforto. A grande sala de refeição, contígua, também raramente é utilizada, a não ser em ocasião de grandes jantares ou festas de família; o romancista e sua esposa habitualmente tomam suas refeições numa pequena peça ao lado da cozinha. Do pátio, o visitante pode notar ao lado da casa uma torre elevada. A escada que leva aos andares superiores está nessa torre, e no alto ficam os aposentos privativos do Sr. Verne. Um corredor forrado com um tapete vermelho, semelhante ao da escada, com desenhos de marinha e outros, leva a um pequeno cómodo de canto, mobilado com uma simples tarimba. Junto da janela fica uma pequena mesa, sobre a qual pode-se ver folhas de papel muito bem cortadas. Sobre a coluna de uma pequena chaminé estão duas estatuetas, uma de Molière e outra de Shakespeare, e mais em baixo está pendurada uma aquarela que representa um iate a vapor entrando na Baía de Nápoles. É neste cómodo que trabalha Verne.

A grande sala vizinha é uma biblioteca repleta de livros, cujas prateleiras vão do solo até o tecto.


Sobre o seu método de trabalho, Júlio Verne diz: "Levanto-me todas as manhãs antes das 5 horas - um pouco mais tarde, talvez, no Inverno e às 5 horas já me instalo na minha escrivaninha até às onze horas. Trabalho muito lentamente e com o maior cuidado, escrevendo e reescrevendo até que cada frase tome a forma que desejo. Sempre tenho na cabeça pelo menos dez romances em andamento, assuntos e intrigas tão bem preparadas que, veja, se Deus me conceder vida, poderei sem dificuldade terminar os oitenta de que falei. Mas é sobre as provas que passo a maior parte do tempo. Nunca fico satisfeito antes da sétima ou oitava prova, corrijo e torno a corrigir até que se possa dizer que a última prova traz apenas traços do manuscrito. O que supõe um grande sacrifício de "minha algibeira" como também do tempo, mas sempre aperfeiçoa a forma e o estilo, se bem que jamais alguém me faça justiça."

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Estávamos na biblioteca da Sociedade Industrial. Diante do Sr. Verne havia, de um lado, uma pilha de provas, "o sexto jogo", diz ele, e de outro um longo manuscrito que eu olhava com interesse, "mas", diz o romancista com um sorriso caloroso, "é um simples relatório que devo remeter ao conselho municipal de Amiens, do qual sou membro3. Interesso-me muito pelos assuntos da cidade".

Pedi ao Sr. Verne que me falasse de sua vida e seu trabalho e ele respondeu que me contaria coisas que nunca tinha dito antes. A primeira questão se referia à sua juventude e à sua família.

"Nasci em Nantes, 8 de Fevereiro de 1828. Portanto estou agora com 76 anos, e é sobre as minhas impressões da velhice que se deveria questionar, de preferência às lembranças da infância. Éramos uma família muito feliz. Meu pai, um homem admirável, era parisiense de nascimento ou, antes, por adopção, pois nasceu em Bril e foi educado em Paris, onde seguiu os estudos universitários e obteve o diploma de advogado. A minha mãe era de Morlaix, portanto tenho sangue bretão e parisiense ao mesmo tempo."

Estas particularidades são interessantes do ponto de vista psicológico e ajudam a compreender o personagem Júlio Verne, que une amor pela solidão, o lado religioso e a adoração pelo mar bretão, à jovialidade, ao saber-viver e à alegria de viver do grande citadino - "É um citadino completo" escreveu Claretie.

* * *

"Tive uma infância bastante feliz. Meu pai era procurador e advogado em Nantes e tinha uma boa situação. Era um homem culto e de gostos literários seguros. Escreveu canções numa época em que elas ainda se escreviam na França, isto, entre 1830 e 1840. Mas não era alguém que tivesse ambição e, se bem que ele se distinguisse com os escritos que tenha escolhido terminar, evitou de todas as maneiras a publicidade. Suas canções eram cantadas em família; poucas foram impressas. Reconheço que nenhum de nós é ambicioso. Procuramos ser felizes na vida e fazer tranquilamente nosso trabalho. Meu pai morreu em 1871, aos 73 anos." (Veja, ele poderia ter dito: "Tinha dois anos quando o século nasceu", para se distinguir da célebre nota de Victor Hugo sobre a data de seu nascimento.) "Minha mãe morreu em 1885, deixando 32 netos e, se contarmos os primos e primos-irmãos, 97 descendentes4. Todos os filhos viveram; ou, em outras palavras, a morte não levou nenhum dos cinco filhos. Dois rapazes e três moças, e ainda vivem. Na Bretanha as pessoas têm uma constituição forte. Meu irmão Paul era e continua a ser o meu amigo mais querido. Sim, posso dizer que não é somente meu irmão, mas também meu amigo mais íntimo. E a nossa amizade data do dia mais distante que eu posso recordar. Que passeios fazíamos juntos em barcos, pelas águas do Loire! Aos 15 anos tínhamos explorado todos os cantos e recantos até o mar. Como eram perigosos esses barcos e que riscos corríamos! Às vezes era eu o capitão, às vezes Paul. Mas Paul era o melhor de nós dois. Quando, depois, entrou para a marinha, ele poderia ter-se tornado um oficial de destaque se não fosse um Verne - isto é, se tivesse tido alguma ambição.

Comecei a escrever com a idade de doze anos. Unicamente poesia, horrível poesia. Todavia, lembro-me de uma mensagem que compus pelo aniversário de meu pai - o que na França chamamos cumprimento que acharam muito boa e fui tão felicitado que me senti orgulhoso. Lembro-me até que na época eu dedicava muito tempo aos meus escritos, recopiando e corrigindo e nunca verdadeiramente satisfeito com o que havia feito.

Suponho que se deve ver no amor que eu tinha pela aventura e pela água o que, mais tarde, iria orientar minhas tendências como escritor. É certo que o método de trabalho que tinha desde então permaneceu por toda a vida. Penso que jamais fiz um trabalho descuidadamente.

Não posso dizer que eu seja particularmente impulsionado pela ciência. Na verdade nunca fui, isto é, jamais segui estudos científicos, nem mesmo fiz experiências. Quando era jovem, porém, adorava observar o funcionamento de uma máquina. Meu pai tinha uma casa de campo em Chantenay, na embocadura do Loire, e ao lado existe a usina de Indret, que pertence ao Estado. Nunca fui a Chantenay sem entrar nesta usina e olhar as máquinas a funcionar, de pé durante horas. Este gosto me acompanhou por toda a vida e hoje sempre tenho prazer em olhar uma máquina à vapor ou uma bela locomotiva em velocidade, tanto quanto contemplar um quadro de Rafael ou Corrège. O interesse pelas indústrias sempre foi um traço marcante do meu carácter, tão marcante, bem entendido, quanto o meu gosto pela literatura, do qual falarei daqui a pouco, e quanto ao prazer que me proporcionam as belas artes, em cada museu ou galeria; sim, poderia dizer, toda galeria de arte, seja qual for sua importância na Europa. A usina de Indret, nossas excursões pelo Loire e os versos que eu rabiscavam constituíam os três principais prazeres e ocupações de minha juventude.

Fui aluno do Liceu de Nantes, onde permaneci até a classe de retórica, depois enviaram-me a Paris, para estudar Direito. A minha matéria preferida sempre foi a geografia, mas, na época em que fui para Paris, estava inteiramente absorvido pelos projectos literários; no mais alto grau a influência de Victor Hugo, bastante apaixonado pela leitura e releitura das suas obras. Podia recitar de cor páginas inteiras de Notre Dame de Paris, mas foram as peças de teatro que mais me influenciaram, e foi sob essa influência que aos 17 anos escrevi algumas tragédias e comédias, sem contar os romances. Por exemplo, escrevi uma tragédia em cinco actos, em verso, intitulada Alexandre VI, a tragédia do papa Borgia. Uma outra também em cinco actos, em versos, na mesma época, foi "La Conspiration des poudres", com Guy Fawkes como herói. "Un drame sous Louis XV" foi outra tragédia em verso, e como comédia fiz uma em cinco actos chamada "Les Heureux du Jour". Todo este trabalho era feito com o maior cuidado, uma preocupação constante quanto ao estilo. Sempre procurei esmerar-me no estilo, o que nunca foi reconhecido.

Retrato de Victor Hugo - um dos mais notáveis escritores franceses

Cheguei em Paris como estudante no momento em que a "costureirinha" e tudo o que isto implicava desaparecia do Quartier Latin. Não posso dizer que frequentava muito os quartos de meus companheiros de estudo, porque, você sabe, nós, os bretões, somos um povo de clã, e quase todos os meus amigos eram colegas de Nantes, que chegaram à Universidade de Paris ao mesmo tempo que eu. Quase todos eram músicos e, nesse período de minha vida, eu era eu-mesmo. Compreendia a harmonia e acredito que se tivesse me empenhado numa carreira musical teria tido menos dificuldades para progredir do que muitos outros. Victor Massé era um dos meus colegas. Delibes também, com quem tinha mais intimidade. Nós nos paparicávamos. Eram amigos que tinha feito em Paris. Entre os amigos bretões havia Aristide Hignard, um músico que, embora tenha obtido o segundo Prémio de Roma, jamais se sobressaiu. Havia colaboração. Eu escrevia as letras, ele a música. Compusemos uma ou duas operetas que foram encenadas, e canções.

Uma dessas canções, intitulada Les Gabiers, interpretada pelo barítono Charles Bataille, ficou muito popular na época. Lembro-me do refrão: 'Alerta,/Alerta, crianças, alerta,/0 céu é azul, o mar é verde,/Alerta, alerta.'

Um outro amigo da época de estudante, que se manteve depois, chamava-se Leroy, actualmente deputado por Morbihan. Mas, aquele por quem tenho a maior gratidão e afeição é Alexandre Dumas Filho, que encontrei pela primeira vez aos 21 anos. Tornamo-nos amigos logo em seguida ele foi o primeiro a encorajar-me. Diria mesmo que foi meu primeiro protector. Actualmente não o vejo mais, porém, enquanto viver não esquecerei a sua gentileza e a dívida que tenho com ele. Apresentou-me a seu pai; trabalhou em colaboração comigo. Escrevemos juntos uma peça intitulada "Pailles rompues", que foi encenada no Ginásio, e uma comédia em três actos, "Onze jours de siège", representada no Teatro de Vaudeville. Eu vivia então com uma pequena mesada enviada por meu pai e sonhava com a sorte, o que me levou a uma ou duas especulações na Bolsa. Preciso dizer que elas não realizaram meus sonhos. Mas tirei proveito das visitas assíduas aos bastidores da Bolsa, porque foi lá que aprendi a conhecer as peripécias do comércio, a febre dos negócios que utilizei nos meus romances.

Enquanto especulava na Bolsa, colaborava com Hignard nas operetas e canções, e com Alexandre Dumas nas comédias, e enviava novelas a magazines. A minha primeira obra apareceu em "Musée des Familles", onde você pode encontrar a história de um louco num balão, que marca o início da linha que estava destinado a seguir nos meus romances5. Era então secretário do Teatro Lírico, depois de M. Perrin. Eu adorava o palco e tudo o que havia ao redor e escrever peças é o trabalho que sempre me proporcionou o maior prazer."

"Estava com vinte e cinco anos quando escrevi o meu primeiro romance científico, Cinq semaines en ballon. Foi publicado por Hetzel em 18616 com sucesso imediato."

Neste momento interrompi o Sr. Verne: "Gostaria que me contasse como escreveu este romance, porque e qual foi o trabalho de preparação. O senhor conhecia o funcionamento de um balão ou tinha alguma experiência?


"Nenhuma", respondeu. "Escrevi "Cinq semaines en ballon" não como uma história centrada na ascensão em balão, mas, de preferência, na África. Sempre tive paixão pela geografia e pelas viagens, e queria fazer uma descrição romântica da África. Não havia nenhum outro meio de conduzir os meus viajantes através da África que não fosse o balão, eis porque o introduzi na história. Na época eu ainda não tinha subido, na verdade só viajei uma vez de balão. Foi em Amiens, muito tempo depois da publicação do romance7. Só "três quartos de hora num balão", porque um pequeno incidente ocorreu no momento da partida. Godard, o aeronauta, estava abraçando o seu filhinho, quando o balão se foi e tivemos que conservar o menino connosco, e o balão estava tão carregado que ele não pôde ir muito longe. Voamos até Longeau, no entroncamento ferroviário por onde você passou para chegar aqui. Posso dizer que na época em que escrevi esse romance, como ainda hoje, eu não acreditava na possibilidade de dirigir um balão, salvo numa atmosfera completamente estática, como nesta sala, por exemplo. Como se pode fabricar um balão capaz de enfrentar correntes que fazem seis, sete ou oito metros por segundo? É um sonho puro e simples, se bem eu acredite que, se a questão for resolvida um dia, será com uma máquina mais pesada do que o ar, segundo o princípio do pássaro, que pode voar embora seja mais pesado do que o ar que ele desloca."

"Então o senhor não possuía dados científicos em que se apoiar?"

"Nenhum. Direi mesmo, nenhum estudo cientifico, embora no decorrer de minhas leituras encontrasse muita coisa, aqui e ali, que tiveram a sua utilidade. Posso assegurar-lhe que sou um grande leitor e sempre tenho um lápis à mão. Trago sempre comigo um caderno, e como o personagem de Dickens, logo de início anoto tudo o que me interessa ou que poderá servir para os meus livros. Para lhe dar uma ideia: venho aqui todos os dias após a refeição do meio-dia, entrego-me imediatamente ao trabalho e leio do começo ao fim quinze jornais diferentes, sempre os mesmos quinze, e digo-lhe que pouca coisa escapa à minha atenção. Quando vejo alguma coisa interessante, anoto. Em seguida leio as revistas, como La Revue bleue, La Revue rose, La Revue des deux monde, Cosmos, La Nature por Tissandier, L'Astronomie por Flammarion. Leio também por inteiro os boletins das Sociedades Científicas e, em particular, os da Sociedade Geográfica, porque, note bem, a geografia é ao mesmo tempo a minha paixão e meu tema predilecto de estudo.

Possuo todas as obras de Reclus - tenho grande admiração por Elisée Reclus - e tudo de Arago. Leio também, e releio, pois sou um leitor muito atento, a colecção "Le tour du monde", uma série de narrativas de viagens. Até o momento acumulei muitos milhares de notas sobre todos os assuntos, e hoje tenho pelo menos vinte mil anotações que poderiam servir no meu trabalho, e que ainda não foram utilizadas. Várias dessas notas foram tiradas de conversas com pessoas. Adoro ouvir pessoas falarem, com a condição de que falem sobre assuntos que conheçam."

"Como lhe foi possível fazer o que fez sem estudo científico de espécie alguma?"

"Tive a oportunidade de entrar no mundo num momento em que já existiam dicionários sobre todos os assuntos possíveis. Bastava eu encontrar no dicionário o assunto sobre o qual procurava um esclarecimento, e pronto. É certo que com muitas leituras consegui inúmeros dados e, como já disse, guardo na cabeça fragmentos de informações científicas. Foi assim que um dia, num café em Paris, enquanto lia, no "Le Siècle", que um homem podia viajar oitenta dias ao redor da Terra, imediatamente imaginei que eu poderia aproveitar de uma diferença de meridiano, e fazer o meu viajante ganhar ou perder um dia em sua viagem. Tinha encontrado o desenrolar que procurava. A história foi escrita muito tempo depois. Guardo ideias na lembrança durante anos - às vezes dez ou quinze antes de lhes dar forma.

O meu objectivo foi mostrar a Terra, não somente a Terra, mas o Universo, porque, nos meus romances algumas vezes transportei os meus leitores para regiões além da Terra. Procurei ao mesmo tempo atingir um ideal de estilo. Dizem que não pode haver estilo num romance de aventuras, mas não é verdade; porém admito que é muito mais difícil escrever num bom estilo literário esse tipo de romance do que estudos de caracteres hoje tão em voga. Confesso", e então Júlio Verne ergueu ligeiramente os largos ombros, "que não sou grande admirador do chamado romance psicológico, porque não vejo o que um romance tem a ver com a psicologia e não posso dizer que admiro os ditos romancistas psicológicos. Entretanto, faço excepção a Daudet e Maupassant. Tenho a maior admiração por Maupassant. É um génio, que recebeu do céu o dom de escrever sobre tudo e que produz com tanta naturalidade e facilidade quanto a macieira que produz maçãs. Todavia, o meu autor favorito é, e sempre foi, Dickens. Não conheço além de uma centena de termos ingleses, por isso o leio traduzido. Mas, afirmo-lhe, senhor", Verne colocou a mão sobre a mesa, insistindo, "que li tudo de Dickens pelo menos dez vezes. Não posso dizer que o prefiro a Maupassant, porque não há comparação possível entre os dois. Mas gosto imensamente dele, e no meu próximo romance, "Ptit-Bonhomme", dou provas disto e do meu reconhecimento. Sou também e sempre fui grande admirador dos romances de Cooper. Há quinze deles que considero imortais."

Retrato de Charles Dickens

Depois, falando como se sonhasse, Verne acrescentou: "Dumas muitas vezes me dizia, quando eu lamentava que não era reconhecido no meu lugar na literatura francesa: "Você deveria ter sido um autor americano ou inglês. Assim, os seus livros traduzidos para o francês lhe teriam dado enorme popularidade na França e teria sido considerado pelos seus compatriotas um dos maiores mestres da ficção." Mas, sendo as coisas como são, eu não conto na literatura francesa. Há quinze anos, Dumas propôs o meu nome, para a Academia Francesa, e, como vários amigos ali tinham assento, Labiche, Sandoz e outros, parecia haver uma chance de que eu fosse eleito e o meu trabalho oficialmente reconhecido. Mas isso jamais aconteceu e hoje, quando recebo cartas da América dirigidas a "M. Jules Verne de l'Académie française", sorrio comigo mesmo. Desde o dia em que se propôs o meu nome, não menos de quarenta e duas eleições se processaram na Academia Francesa que, por assim dizer, se renovou inteiramente, porém, fui sempre ignorado."

Foi então que Verne pronunciou as palavras que coloquei no início desta entrevista, por causa de sua importância.

Para mudar de assunto, pedi ao mestre que falasse das suas viagens.

"Viajei de iate para meu prazer, mas sempre com a ideia de tomar notas para os meus livros. Foi uma preocupação constante e cada um de meus romances se beneficiou com minhas viagens. Por exemplo, em "Le billet de lotérie" encontra-se o relato de experiências pessoais e observações feitas no decorrer de uma viagem à Escócia, nas ilhas de lona e Staffa, assim como de uma viagem na Noruega em 1862, quando se subiu o canal de Estocolmo a Cristiana, passando por noventa e sete eclusas, uma viagem extraordinária de três dias e três noites num steamer, e quando se foi de caleça pela parte mais selvagem da Noruega, o Telemark, e visitou-se as quedas do Gosta, de uma altura de novecentos pés. Em "Les Indes noires" narrei a viagem pela Inglaterra e a minha visita aos lagos escoceses. "Une villeflottante" surgiu da viagem pela América no Great Eastern: fui a New York, visitei Albany e vi as quedas do Niagara e tive uma sorte formidável e a alegria de ver o Niagara todo coberto de gelo. Era 14 de Abril, e havia torrentes de água que despencavam. Pelos mordentes abertos do gelo. "Matias Sandorf" veio de um cruzeiro de Tânger a Malta num iate, e SaintMichel, baptizado como meu filho Michel, que me acompanhou, juntamente com a sua mão e o meu irmão Paul. Em 1878, com Raoul Duval, Hetzel filho e o meu irmão, viajei de iate pelo Mediterrâneo, uma viagem muito instrutiva e bastante agradável. Viajar era o prazer da minha vida e foi com muita tristeza que tive de abandonar tudo, em 1886, depois de um acidente. Você deve conhecer esta triste história, em que um de meus sobrinhos, que me adorava, veio ver-me um dia em Amiens, e que, depois de ter resmungado qualquer coisa, pegou um revólver e atirou em mim, ferindo-me a perna esquerda e me tornando enfermo pelo resto da vida. A ferida nunca cicatrizou e a bala nunca foi extraída. O menino tinha ficado perturbado e disse que agira desse modo para atrair a atenção para minha candidatura à cadeira da Academia Francesa. Ele está agora num asilo e receio que nunca fique curado. O grande desgosto que isso me causa é, sobretudo, nunca mais poder rever a América. Queria tanto ir a Chicago este ano, mas, neste estado de saúde, e com esta ferida constante, é completamente impossível. E eu amo tanto a América e os americanos! Quando escrever para a América, não deixe de dizer-lhes que, se eles gostam de mim - estou certo que sim, porque todos os anos recebo dos Estados Unidos milhares de cartas - correspondo com todo o meu coração à sua afeição. Oh! Se ao menos pudesse vê-los, seria a grande alegria da minha vida!

Se bem que nos meus romances a maior parte dos dados geográficos provêem de observações pessoais, às vezes confio nas minhas leituras, para as descrições. Foi assim no romance de que falei, "Ptit-Bonhomme", que vai sair, quando descrevo as aventuras de um rapaz na Irlanda, desde a idade de 2 até 15, quando ele fez a sua fortuna e a de seus amigos, e que é o desfecho do romance. Ele dá volta por toda a Irlanda e, como nunca estive lá, as descrições de paisagens e localidades foram inspiradas em outras obras.

No meu trabalho, estou vários anos adiante. O próximo romance, isto é, o que será publicado no próximo ano, "Les aventures mirifiques de Mattre Anfiter", está completamente pronto. É a história de um pesquisador e descobridor de tesouros, e a intriga gira em torno de um problema geométrico muito curioso. Actualmente estou preso ao romance que aparecerá em 1895, mas nada posso dizer sobre ele, porque ainda não tomou forma. Entre os dois, escrevo novelas. No próximo número de Natal do Figaro sairá um de meus contos, M. Ré-dièze et Mlle. Mi-beniol (ré sustenido e mi bemol, como você sabe, são a mesma nota no piano). Vê onde quero chegar? Ali, os meus conhecimentos musicais entraram em jogo. Nunca se perde nada do que se aprendeu.

Muitas vezes me pergunto, como você o fez, porque resido em Amiens, eu que sou inteiramente parisiense por instinto. Pois bem, é porque, como já lhe disse, tenho sangue bretão e amo a paz e a tranquilidade, e só poderia ser mais feliz num claustro. Uma vida tranquila de estudo e de trabalho é um prazer.


Vim a Amiens pela primeira vez em 1857 ou 588, quando encontrei a jovem que se tornaria minha esposa e que, na época, se chamava Madame de Vianne e era viúva, com duas filhas. Depois, os laços familiares e a tranquilidade do lugar me prenderam. E foi muito bom, pois, como Hetzel me disse outro dia, se tivesse ficado em Paris, eu teria escrito uns dez romances a menos. Amo demais a vida que levo aqui. Já contei como trabalho pela manhã e leio à tarde. Faço exercício o mais possível. É o segredo da minha saúde e da minha vitalidade. Sempre fui apaixonado pelo teatro; aliás, todas as vezes que uma peça é encenada aqui, pode estar certo de encontrar Madame Júlio Verne e o marido no seu camarote. Nestes dias jantamos no Hotel Continental9 , para sairmos um pouco e darmos folga aos empregados.

O nosso filho único, Michel, mora em Paris, casado e com filhos. É um competente escritor de assuntos científicos. Só tenho um animal; o seu retrato aparece na foto de casa; é o meu velho cão, Follet."

Depois, coloquei uma questão que, embora indiscreta, me parecia necessária. Ouvira dizer que os rendimentos que ele auferia de seus maravilhosos livros eram inferiores ao de um jornalista comum. E de fonte bastante autorizada soubera que Júlio Verne jamais ganhou, em média, mais de cinco mil dólares por ano. Ao que ele responde:

"Preferiria nada dizer sobre isto. É verdade que os meus primeiros livros, inclusive aqueles que tiveram o maior sucesso, foram vendidos pelo décimo de seu valor; mas, após 1875, isto é, após "Michel Strogoff", as minhas normas mudaram e me dão uma participação honesta nos benefícios dos meus romances. Não tenho do que me queixar. Tanto melhor se o meu editor lucrou igualmente. Certamente eu poderia lamentar não ter feito melhores contratos para os meus livros. Assim, "Le Tour du Monde", sozinho, na França, conseguiu levantar dez milhões de francos, é "Michel Strogoff", sete milhões, dos quais recebi muito menos do que me cabia. Eu, porém, não sou e jamais fui homem para ganhar dinheiro. Sou homem de letras e artista, vivendo à procura de um ideal, lançando-me selvagemente a uma ideia, e ardendo de entusiasmo pelo meu trabalho; e quando está terminado ponho de lado, esquecendo tudo a tal ponto que muitas vezes sento-me em minha mesa, tomo um romance de Júlio Verne e o leio com prazer. E eu teria preferido um milhão de vezes um pouco de justiça por parte de meus compatriotas do que os milhões de dólares que os livros poderiam ter-me rendido. É isto que lamento e sempre lamentarei."

Lancei uma olhadela para a roseta vermelha de oficial da Legião de Honra presa na lapela da jaqueta azul e confortável do mestre.

"Sim", disse ele, "é um pouco de reconhecimento"; depois, com um sorriso: "Fui o último a ser condecorado sob o Império. Duas horas depois da assinatura do meu decreto, o Império havia deixado de existir. A minha promoção ao grau de oficial foi assinada no mês de Julho do derradeiro ano. Mas, não aspiro mais às condecorações daqui por diante. O que eu queria é que se notasse o que fiz ou tentei fazer, e que não se negligenciasse o artista no contista. Eu sou artista", repetiu Júlio Verne, inteiriçando-se e batendo vigorosamente o pé no tapete.

"Eu sou artista", diz Júlio Verne. Na América, não importa quantos leitores haja, isto ecoará.


ANEXO

1 Esta entrevista apareceu sob o título de "Jules Verne at home: His own account of his life and work", in McClures Magazine, vol. 11, No. 2, Janeiro de 1894.
2 J. Verne contabiliza seus escritos em volume; é obrigado por contrato com Hetzel, a publicar dois volumes por ano. Conforme sua extensão, os romances representam um, dois ou três volumes. Por exemplo, "Cinq semaines en ballon" vale por um romance, "Vingt mille lieues sous les mers", por dois, e "Les enfants du capitaine Grant", por três. Os volumes 76º e 77º correspondem às duas partes de P'tit Bonhomme, que surge algum tempo depois desta entrevista, em Novembro de 1893.
3 Trata-se do relatório sobre o aproveitamento do Teatro municipal apresentado ao Conselho Municipal de Amiens por ocasião da sessão de 17 de Janeiro de 1894.
4 A mãe de Júlio Verne morreu em 1887.
5 "Un voyage en ballon", Musée des Familles, agosto de 1851.
6 "Cinq semaines en ballon" foi escrito em 1862 e Júlio Verne tinha trinta e quatro anos (e não vinte e seis). O romance foi publicado por Hetzel em 1863.
7 O relato dessa subida foi publicado por Verne em 1873 sob o título "Vingt-quatre minutes en ballon".
8 Erro: foi em 1856, mas os Verne casaram-se em 1857.
9 O Hotel Continental, hoje desaparecido, ficava na rue des Trois-Cailloux, No. 62, em frente ao Teatro.


Traduzido do inglês por Sylvie Malbraneq e do francês por A.G.R.D., publicado no Magazine Littéraire, Nº 281, Outubro de 1990.

Encontro de Marie Belloc com J. Verne em 1894

Deixo-vos mais uma entrevista/encontro que traduzi por Marie A. Belloc a J. Verne na casa do escritor em Amiens em Outubro do ano de 1894.

Trata-se da entrevista mais conhecida feita ao escritor e é muito interessante... ainda mais quando cita a língua portuguesa.
Leiam para descobrir:

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Apesar de alguns erros de detalhe, esta entrevista foi publicada no jornal inglês Strand Magazine em Fevereiro de 1895 pelo título Jules Verne at home, e completa a que um ano antes realizara Sherard (podem encontrar as duas entrevistas no site JVernePt).

O autor de A volta ao mundo em 80 dias, de Cinco semanas em balão e de muitas outras histórias maravilhosas que fizeram sonhar centenas de leitores em várias partes do mundo, disfruta a sua vida trabalhando feliz na sua casa na cidade francesa de Amiens.

O habitante mais humilde da cidade poderia indicar onde se encontra a residência de Jules Verne. Está no número 1 da Rua Charles-Dubois. É uma encantadora casa antiga, situada na esquina de uma rua rural que desemboca numa praça1.
A pequena porta, rodeada de um muro coberto de líquenes, foi aberta por uma velha empregada de aparência alegre. Disse-lhe que tinha marcação e rapidamente me levou através do pavimentado pátio limitado por ambos os lados por irregulares e pitorescas construções ladeadas por uma torre, típica nas casas de campo francesas. Pude admirar o jardim da casa de Jules Verne. Estava composto de grandes faias que abrigava com a sua sombra um grande gramado bem cuidado, enfeitado por densos tufos de plantas. Não havia nenhuma folha seca nas alamedas de seixos em que o escritor passeia todos os dias. Através de um caminho de grandes pedras, a servente conduziu-me a um hall cheio de pequenas palmeiras e arbustos floridos, o qual leva ao salão onde, passados alguns minutos, se juntaram o meu anfitrião e sua mulher que logo me saudaram.

O célebre escritor é o primeiro a reconhecer que madame Verne desempenhou um importante papel em cada um dos seus sucessos. É difícil acreditar que essa mulher alegre e activa celebrou suas bodas de ouro há mais de um ano2.



Jules Verne não corresponde à imagem que fazemos de um grande escritor. Em vez disso, dá a impressão de ser um cavalheiro rural e culto apesar de se vestir sempre de negro, cor que a maioria dos membros franceses das profissões liberais veste. O seu casaco é decorado por um pequeno botão vermelho, indicando que lhe foi conferida a Legião de Honra. Depois de se ter sentado, observei que o meu anfitrião não parece ter 68 anos. O meu critério foi mais convincente quando verifiquei que tinha mudado muito pouco fisicamente ao compará-lo com o grande retrato que descansava sobre a parede —precisamente na direcção oposta ao da sua esposa—, o qual tinha sido pintado vinte anos atrás3.


Verne não gosta de falar dos seus livros nem de si mesmo. Se não fosse pela amável ajuda da sua mulher, que poderia falar do orgulho que tem pela genialidade do seu marido, teria sido impossível fazê-lo falar sobre a sua carreira literária ou do seu método de trabalho.

"Não me lembro do tempo no qual eu não escrevia ou no qual decidi tornar-me escritor. Como poderá ver, muitas coisas conspiraram contra isso", observa, "Sou bretão de nascimento. Nantes é minha terra natal, mas meu pai era parisiense tanto na educação quanto no gosto, apaixonado pela literatura, porém modesto demais para revelar o seu trabalho. Era um poeta requintado. Talvez por isso eu tenha estreado na carreira literária escrevendo poesia -seguindo talvez o exemplo dos escritores franceses da época-, a qual se transformou numa tragédia de cinco actos", concluiu com um sorriso nos lábios..

"Contudo, minha primeira obra verdadeira foi uma comédia ligeira escrita em colaboração com Alexandre Dumas Filho, que foi e continua a ser um de meus melhores amigos, acrescenta Verne após curta pausa. A nossa peça se chamava Les Pailles rompues (Relações rompidas) e foi a palco no Teatro Gymnase em Paris. Mas, por mais que gostasse de escrever comédias, elas não rendiam muito em termos financeiros.
Ainda assim jamais perdi a paixão pelo teatro e de tudo o que se relacione com ele. Uma das maiores alegrias que tive foram as adaptações teatrais dos meus romances, principalmente de
Michel Strogoff, revela.
Já me perguntaram muitas vezes como tive a ideia de escrever -queria usar um nome melhor- os chamados romances científicos. Sempre me dediquei ao estudo da geografia como aquelas pessoas que adoram estudar História e que pesquisam sobre ela. Creio, realmente, que a minha paixão pelos mapas e pelos grandes exploradores levaram-me a redigir o primeiro de uma extensa série de romances geográficos
", conta.

"Quando escrevi o meu primeiro livro, Cinco semanas em balão, escolhi a África como cenário por uma simples razão de que era e continua a ser o continente menos conhecido. Imediatamente pensei que a forma mais engenhosa de explorar esta porção da superfície da Terra seria em balão. Adorei escrever essa história e devo dizer que tanto essa como todas as minhas obras, aquelas que são baseadas numa prévia investigação, os factos narrados são do mais realista possível, explica.
Terminada a redacção da história, enviei o manuscrito a um editor parisiense muito conhecido, monsieur Jules Hetzel, que leu o conto, se interessou por ele e que me fez uma oferta que aceitei. Posso dizer-lhe que este homem notável e o seu filho tornaram-se meus grandes amigos estando a sua editora prestes a publicar o meu 70° romance4
."

- Mas não viveu momentos de inquietude esperando pela fama? -perguntei. O seu primeiro livro teve sucesso imediato, tanto na França quanto no exterior?

"Sim, Cinco semanas em balão é, até aos dias de hoje, um dos meus romances mais populares mas devo lembrar que já tinha 35 anos quando ele foi lançado, e que me tinha casado oito anos antes" lembra olhando carinhosamente para a sua esposa5.

- A sua paixão pela Geografia não o fez inclinar-se para as ciências?
"Não me qualifico como um cientista, porém, sinto-me um afortunado por ter nascido num tempo de descobertas notáveis e de invenções maravilhosas".

Altiva, madame Verne intervém: “Com certeza que a senhora sabe que, nos romances do meu marido, muitos fenómenos científicos, aparentemente impossíveis, se realizaram."

"Tudo não passou de mera coincidência" -interveio o escritor com um ar desaprovador-, "nascida do facto de, ao inventar um fenómeno científico, eu tentar sempre tornar as coisas tão verdadeiras e simples quanto possível. Quanto à exactidão das minhas descrições ela deve-se ao facto de fazer inúmeras anotações quando da leitura de livros, jornais e revistas científicas que tenho acesso. Essas notas eram e são classificadas segundo ao tema a que pertencem. Não consigo dizer o quanto foram elas preciosas para o meu trabalho", explica.
"Assino mais de 20 jornais" -continuou- "e sou um ávido leitor de publicações científicas. Além do meu trabalho, umas das coisas que mais tenho enorme prazer é ler ou ouvir falar de uma nova descoberta ou experiência científica que ocorreu em qualquer campo da ciência como a astronomia, meteorologia, ou fisiologia", diz.

- Tira algumas ideias dessas leituras ou as suas histórias nascem apenas de sua imaginação?

"Acho impossível dizer o que inspira uma história, uma vez uma coisa outra vez outra. Talvez uma coisa ou outra. Muitas vezes conservo uma ideia na memória durante anos, antes de colocá-la no papel. Posso dar-lhe alguns exemplos. A A volta ao mundo em 80 dias nasceu da leitura de um anúncio turístico num jornal, que mencionava ser possível dar a volta ao mundo em 80 dias. Imediatamente veio-me à memória que o viajante, beneficiado pela diferença do meridiano, poderia ganhar ou perder um dia na viagem. Foi esta a ideia original que originou toda a acção da história. Graças a essa circunstância, o meu herói, Phileas Fogg, chegou a casa a tempo de ganhar sua aposta, em vez de um dia mais tarde, como pensava."

- Falando de Phileas Fogg, ao contrário da maioria dos escritores, o senhor parece gostar que os seus heróis sejam ingleses ou estrangeiros.

"Sim, eu acho que os povos anglófonos dão excelentes heróis, sobretudo quando se trata de aventuras ou expedições científicas. Tenho profunda admiração pela coragem e o espírito empreendedor dessa nação que tenta sempre ir mais à frente, e que plantou o Union Jack (bandeira britânica) em grandes partes do mundo."

- As mulheres não costumam ter papéis importantes em suas histórias, observo.

Um olhar de aprovação da minha anfitriã deu-me conta que estava de acordo com a veracidade da minha afirmação.
"Não concordo, de modo algum, retruca Verne passionalmente. Tomemos por exemplo a Mistress Branican e as encantadoras jovens que aparecem em muitas das minhas obras. Sempre que a inclusão de uma personagem feminina se torna necessária pode ter certeza de que a encontrará. Fez uma pausa e depois sorriu: O amor é uma paixão absorvente, que deixa pouco espaço nos corações; os meus heróis têm necessidade de toda a concentração para chegar aos seus objectivos, pelo que a presença de uma jovem encantadora, de quando em vez, poderia prejudicar a iniciativa. Sempre tive o cuidado de que as minhas histórias possam ser lidas por todos os jovens, sem a menor hesitação. Evito escrupulosamente cenas que um rapaz não gostaria de ver a sua irmã lendo."

"Antes que a luz se vá, não quer o local de trabalho e estudo do meu marido -perguntou madame Verne. Podemos continuar a nossa conversa lá."

Guiados pela senhora Verne fomos conhecer a biblioteca do marido, a que chega por uma escada em caracol, atravessando uma série de cómodos nos quais o escritor criou boa parte dos seus livros. Nas paredes, grandes mapas testemunhos da sua paixão pela geografia e pela informação precisa.


"É aqui -abrindo a porta de um quarto do tamanho de uma cela- que o meu marido escreve todas as manhãs. Deve saber que se levanta às 5 horas e ao almoço -ocorre pelas 11 horas- termina o seu dia de trabalho, isto é, já escreveu e corrigiu as provas dos seus manuscritos. Geralmente deita-se por volta das 20h ou 20.30h."

A mesa de madeira está à frente de uma grande janela, exactamente na direcção oposta de uma cama. Desta forma, nas manhãs de Inverno, quando o escritor faz uma pausa no seu trabalho matinal, pode ver a aurora solar que começa a observar-se no topo da Catedral de Amiens.
A pequena câmara é despojada de toda a ornamentação. Apenas se encontram dois bustos, um de Moliére e outro de Shakespeare, e alguns quadros entre os quais uma aguarela do iate do meu anfitrião, o Saint-Michel, um esplêndido iate onde Jules e a sua esposa passaram das horas mais felizes das suas vidas.

O escritório dá para uma sala magnífica, a biblioteca de Jules Verne. As suas paredes estão cobertas por fileiras de livros e no centro uma mesa em baixo da qual aparece um grande monte de jornais, periódicos relatórios científicos, , todos cuidadosamente ordenados, sem falar de uma representativa colecção de revistas literárias francesas e inglesas. Caixas de papelão, ocupando pouco espaço, contêm mais de vinte mil anotações preenchidas pelo escritor.

“Diz-me o que lês e eu te direi quem és”. Essa seria uma excelente paráfrase de um dito antigo que se aplicaria muito bem a Jules Verne. A sua biblioteca só existe para servir, não para mostrar. Nela há exemplares surrados, porém tão caros aos olhos do seu proprietário, de intelectuais como Homero, Virgílo, Montagne e Shakespeare, edições de James Fenimore Cooper, Charles Dickens e Walter Scott. Ainda que pouco danificados pelo tempo, - são estimados pelo dono- ostentam vestígios de uma utilização constante. Encontram-se lá também, em encadernação mais recente, vários dos mais conhecidos romances ingleses.

Caloroso, Jules Verne observa que esses livros provam que "é sincera a minha afeição pela Grã-Bretanha. Durante toda a vida tive prazer a ler os romances de Sir Walter Scott e posso-lhe assegura que, durante uma inesquecível viagem às Ilhas Britânicas, foi na Escócia que vivi os melhores momentos da minha vida. Ainda vejo, como uma visão, a formosa e pitoresca cidade de Edimburgo, com o seu Heart of Mid-Lothian6, e muitas outras lembranças encantadoras; os Highlands7; a ilha de Iona8 separada do resto do mundo e das selvagens ilhas Hébridas9. Para alguém familiarizado com as obras de Scott existem muito poucos distritos da sua terra nativa que não tenha alguma associação com o escritor e o seu trabalho imortal.

- Qual foi a impressão que levou quando visitou Londres?

Considero-me um devoto do Tamisa10. Penso que o grande rio é o rasgo mais chamativo dessa extraordinária cidade.

- Gostaria de saber sua opinião sobre nossa literatura juvenil e os romances de aventura. Com certeza o senhor sabe que nós, na Inglaterra, damos grande importância a esse género literário.

"Oh sim, principalmente com esse clássico tão estimado, tanto pelos adultos quanto pelas crianças que é Robinson Crusoé. E talvez a Sra. escandalize-se ao saber que pessoalmente, prefiro o velho Robinson Crusoé suíço. Costumamos esquecer que Crusoé e o seu companheiro Sexta-feira não são mais do que um episódio de uma história de sete volumes. Para mim o grande mérito do livro é que, aparentemente, foi o primeiro romance desse género a ser escrito. E acrescenta rindo: todos nós escrevemos sobre robinsones, sendo porém difícil saber se teríamos a ideia sem o seu célebre modelo."

- Como classificaria outros autores de romances de aventura inglesa?

"Infelizmente só consigo ler os que foram traduzidos para o francês. Nunca me canso de ler em francês as obras do Fenimore Cooper; alguns dos seus romances merecem a imortalidade. Ouso esperar que serão ainda lembrados bem depois de já terem sido esquecidos os gigantes da literatura que se lhes seguiram. Também amo muito os divertidos romances do Capitão Marryat. Graças à minha incapacidade de ler inglês, não estou bem familiarizado com Mayne Reid e Robert Louis Stevenson. Em todo caso A Ilha do tesouro, o seu último romance, que tenho traduzido, agradou-me muito. Lendo-o tive a impressão de que tem um extraordinário frescor e uma força prodigiosa. Ainda não mencionei o escritor inglês que considero mestre de todos: Charles Dickens.- expressou Verne assim que o seu rosto se iluminou de entusiasmo juvenil. Acho que o autor de Nicolas Nickeleby e David Coperfield domina o sentimento da emoção, do humor, do imprevisto, da intriga. Tem tantas qualidades que uma só bastaria para garantir a reputação de um autor menos favorecido. Eis aí mais um cuja fama se poderá desvanecer mas que jamais se extinguirá."

Madame Verne chama a minha atenção para as grandes prateleiras cheias de livros aparentando ser muito novos e poucos lidos. "Aqui pode ver diversas edições do meu marido em diferentes idiomas: francês, alemão, português, holandês, sueco e russo. Inclusive até mesmo uma tradução japonesa e outra árabe de A Volta ao Mundo em 80 Dias", diz a minha anfitriã, abrindo as curiosas páginas encadernadas em tecido, que revelam as aventuras de Phileas Fogg para as crianças árabes. “O meu marido jamais releu os seus romances. O seu interesse deixa de existir após a leitura das últimas provas apesar de já lhe ter ocorrido reflectir durante anos sobre uma intriga ou sobre as situações de uma história”.


Cartaz publicitário das Edições Hetzel

-Qual é seu método de trabalho? Pergunto ao escritor

"Não vejo o interesse que o público possa ter, mas ainda assim vou iniciá-la nos segredos de meu trabalho literário. -diz com humor. Não recomendaria aos outros que procedessem da mesma maneira. Creio que cada qual trabalha a seu modo, sabendo, instintivamente, qual seria o melhor método. Pois bem, começo por, de início, estabelecer as grandes linhas do romance. Jamais começo um livro sem saber começo, meio e fim. Até agora tive a sorte de sempre ter em mente não apenas um, mas uma meia dúzia de projectos bem determinados. Se encontrar um assunto que considero muito difícil, considero a ideia de abandonar esse projecto. Terminado o trabalho preliminar, estabeleço um plano de capítulos, começando então a verdadeira escrita da primeira versão a lápis, deixando uma margem de meia página para as correcções. Depois releio tudo e reescrevo a tinta. Acho que o meu trabalho verdadeiro começa com a primeira colecção de provas, quando corrijo não apenas cada frase, como também reescrevo capítulos inteiros. Parece-me que não domino o tema senão quando vejo o trabalho impresso. Felizmente o meu editor concede-me todo espaço para as correcções e frequentemente chego a ler oito ou nove provas. Invejo, mas não quero imitar, aqueles não vêem motivos para modificar ou acrescentar uma só palavra, desde o capítulo primeiro até a palavra fim", explica.

- Esse método deve atrasar bastante o seu trabalho.

"Não acho. Mantendo hábitos regulares, produzo invariavelmente dois romances por ano. E estou sempre adiantado em relação ao meu trabalho. Actualmente já estou a escrever uma história que está prevista para 1897. O que significa dizer que tenho cinco manuscritos prestes a serem impressos11. É bem verdade que isso não seria possível sem sacrifícios. Não tardei a reconhecer que um trabalho, exigindo uma produção constante e regular, seria incompatível com os prazeres sociais. Quando jovens, a minha mulher e eu morávamos em Paris, apreciando bastante as coisas mundanas e as seus múltiplas atracções. Mas há 12 anos tornei-me morador de Amiens12, terra natal da minha mulher. Foi aqui que a conheci há 53 anos13 e, pouco a pouco, todas as minhas relações de amizade e os meus interesses se concentraram nesta cidade. Alguns dos meus amigos lhe dirão que me orgulho mais de ser conselheiro municipal de Amiens do que do meu renome literário. Não nego que desfruto muito do posto no governo municipal."

- Seguiu em alguma ocasião o exemplo de alguns dos seus próprios personagens, viajando por vários lugares do mundo?

"Sim, de facto sou um apaixonado pelas viagens. Em algumas ocasiões passava uma grande parte de cada ano navegando no meu iate, o Saint Michel. Posso dizer-lhe que sou devoto do mar e não posso imaginar nada mais ideal que a vida de marinheiro. Mas com a idade chegou um amor forte pela paz e quietude e… —adicionou o veterano novelista num tom triste- ...agora apenas viajo com a imaginação."

- Acredito que tenha associado os louros como dramaturgo a outros triunfos seus.

"Sim," —afirmou—"seguramente conhece que temos na França um provérbio que diz que um homem sempre acaba por regressar aos seus primeiros amores. Como lhe disse anteriormente, sinto sempre um deleite especial com tudo o que tem a ver com o mundo dramático; a minha estreia literária foi como dramaturgo e das tantas satisfações que recebi pelo meu trabalho, nenhuma me deu mais satisfação que o meu retorno ao teatro."

- Qual das suas histórias teve mais êxito no teatro?

"Miguel Strogoff foi quiçá a mais popular. Foi a palco em vários lugares do mundo. Depois, A volta ao mundo em oitenta dias, teve muito êxito e mais recentemente Matías Sandorf foi representada em Paris. Posso dizer-lhe de que o meu conto O doutor Ox foi base de uma opereta representada no Teatro de Variedades, faz uns dezassete anos. Na época eu mesmo me encarregava de montar as minhas peças teatrais, mas agora o meu contacto com o mundo teatral apenas se limita a visitar o teatro da nossa cidade. Devo admitir que em várias ocasiões boas companhias de teatro nos têm honrado com a sua presença na cidade.

- Suponho —e dirigindo-me à senhora Verne—, que o seu esposo recebe muitas comunicações do seu imenso clube de admiradores ingleses de amigos e leitores desconhecidos.

"Sim" —respondeu com jovialidade— "e pedem muitos autógrafos! Gostaria de os poder ver. Se não estivesse aqui para protegê-lo dos seus amigos, passaria a maior parte do seu tempo escrevendo o seu nome em pedaços de papel. Suponho que são poucas as pessoas que receberam cartas tão estranhas como as que recebeu o meu marido. As pessoas escrevem sobre coisas de todo o tipo. Uns sugerem uma trama para uma nova história, outros desabafam os seus problemas pessoais ou lhe contam as suas aventuras ou lhe enviam os seus livros."


- Em alguma ocasião um destes remetentes desconhecidos fez-lhe perguntas indiscretas sobre os planos para o futuro do senhor Verne?

O meu amável e cortês anfitrião respondeu por ela. "Muitos são muito amáveis por se interessarem sobre qual será o meu próximo livro. Se deseja saber essa curiosidade digo-lhe que ainda não anunciei a ninguém, excepto aos meus amigos íntimos. A minha próxima obra levará por título A ilha de hélice. Contém um grupo de noções e ideias que têm estado na minha mente durante muitos anos. A acção terá lugar numa ilha flutuante criada pela engenhosidade de um homem; uma espécie de Great Eastern mas dez mil vezes maior e nela viajam o que pode ser chamado, neste caso, uma povoação móbil. É a minha intenção" —concluiu Verne—, "completar, antes que os meus dias de trabalho terminem, uma série que concluirá em forma de novela o meu estudo completo da superfície do mundo e os céus. Existem, todavia, lugares do mundo a que os meus pensamentos não têm chegado. Como sabe, tenho uma obra que trata sobre a Lua, mas ainda há muito por fazer, e se a saúde e força me permitir, espero terminar essa tarefa."

Faltava ainda meia hora antes para que o veículo de caminho-de-ferro que faz a rota Caláis-Paris (uma vez tão eloquentemente descrita por Rossetti) partisse e a senhora Verne, com grande amabilidade, muito peculiar nas mulheres francesas bem educadas, me conduziu à catedral Notre Dame d’Amiens, na qual se podia ler numa pedra um poema do século doze14. Dentro das suas majestosas paredes o turista inglês tem a oportunidade de ver todos os domingos o ancião homem que com a sua pluma deu muitas horas felizes tanto a jovens como a adultos.

ANEXO

1 A casa de Jules Verne está situada no número 2 da Rue Charles Dubois.
2 É impossível que a senhora Verne tenha podido celebrar as suas bodas de ouro (cinquenta anos de matrimónio) em 1893, visto que o casamento de Verne se remonta a 1857. Fez sim nesse ano, trinta e seis anos.
3 Outro erro. Verne não têm 68 anos de idade, mas sim 66 no momento da entrevista.
4
A ilha de hélice a qual Verne desvendará o título mais à frente.
5 Outra afirmação curiosa. Entre Janeiro de 1857, data do matrimónio, e Janeiro de 1863, data da aparição da novela, apenas fez seis anos.
6 Esse nome designa a velha prisão de Edimburgo onde Walter Scott situou numa das suas novelas. Midlothain é a antiga cidade de Edimburgo, que é um condado situada na parte sudeste da Escócia. (Nota do tradutor)
7 Nome da parte montanhosa da Escócia, ao nordeste de Strathmore. Significa Terras Altas. (N do T)
8 Ilha escocesa situada ao sul do Arquipélago das Hébridas e ao sudoeste da ilha Mull. (N do T)
9 Arquipélago do Oceano Atlântico, próximo da costa ocidental da Escócia. Forma parte das Ilhas Britânicas e tem umas 200 ilhas. (N do T)
10 Rio de Inglaterra que nasce no condado de Gloucester, passa por Oxford e por Londres e desagua no mar do Norte. (N do T)
11 As obras listas são:
A ilha de hélice, Um drama na Livónia, O soberbo Orinoco (que Verne cita numa carta a Hetzel Filho em Agosto de 1894) e a obra em curso é Em frente da bandeira.
12 Verne vive em Amiens desde 1871, portanto, há 23 anos.
13 Verne conheceu a sua esposa em 1856, ou seja, 38 anos antes desta entrevista.

14 A construção da catedral começou no século XIII, em 1220 e terminou nos meados do século XIV.