Continuação do artigo 'J. Verne - Um precursor da ficção científica' cuja 3ª parte foi aqui colocada no dia 14 de Julho.
Júlio Verne em Crotoy (1869-1871)
Júlio Verne em Crotoy (1869-1871)
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Em Crotoy, Júlio Verne redescobriu a sua paixão pelo mar, não pelo mar distante que fascinou a sua infância, mas aquele que entraria na sua vida e em seus escritos. Picardia, ao mesmo tempo em que sua carreira literária se estabelecia em modo definitivo iniciam-se as suas grandes aventuras marítimas. Adquiriu o seu primeiro iate de 8 a 10 toneladas que batizou com o prenome do seu filho, Saint-Michel.
O mar se tornou a sua verdadeira fonte inspiradora no que permanecerá durante cerca de 20 anos. Em seu iate, Jules Verne tomou notas, pensou no infinito das grandes aventuras humanas. Reconstituiu a sua energia, sonhou com a liberdade, e redigiu o que permanecerá como um dos seus maiores romances, Vingt mille lieues sous les mers (Vinte mil léguas submarinas, 1869-1870). Este romance foi concebido desde 1866 por ocasião de umas férias de verão na casa dos seus pais em Chantenay. Ele começou a sua redação no início de 1868 e terminou em junho de 1869. Ele escreveu no seu iate, deixando o texto de lado para escrever Autour de la Lune (Ao redor da Lua), retomando as vinte mil léguas mais tarde. Foram necessários cinco anos para concluir o seu romance e criar um dos mais notáveis personagens verniano: o capitão Nemo.
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Enquanto o capitão conduziu a sua energia super-humana para a loucura, o capitão Nemo permaneceu prudentemente como se houvesse conservado a lição do predecessor. Procurou livremente o universo que lhe é permitido descobrir - um território infinito que ele insere nos seus conhecimentos - para uma epopeia inédita, estimulada por uma razão direcionada para o combate entre o bem e o mal. É, na realidade, um terrorista pacifista.
Esse personagem é uma síntese do homem do seu tempo, cujas novas formas morais estavam em construção. É um homem que aspira a uma sociedade de cidadãos responsáveis pela razão, mas cuja razão é ainda precária e frágil. A correspondência entre Verne e o seu editor Hetzel, a propósito de Nemo, permite detetar um desacordo entre esses dois que ultrapassa o problema dramatúrgico. Na realidade, as ideias de Verne e Hetzel convergem em matéria moral. Os dois estão igualmente convencidos que a humanidade deve caminhar para uma sociedade mais lúcida e mais justa.
Mas, nesses pontos comuns, a aplicação dos conceitos morais tende a seguir uma divergência. A ciência sobre a visão de Hetzel é a moral positivista de Augusto Comte, que sucede a moral teológica e metafísica. Jules Verne aceita essa evolução; no entanto, não quer opor esses dois conceitos radicalmente. Essa distinção permite melhor compreender as discussões que separam esses dois homens. Na verdade, Verne ultrapassa o pensamento moralista do seu editor. Nemo é o maior personagem concebido por Jules Verne. Segundo o escritor francês Jean-Paul Dekiss, Nemo constituiu o retorno de Prometeu que o escritor antecipou de 20 anos ao de Nietzsche em Assim falou Zaratustra.
Seu gosto pelo jogo etimológico das palavras, estimulou Verne a dar a Nemo um duplo sentido. Literalmente o vocábulo latino Nemo significa ninguém, que não vem de nenhuma parte, sem objetivo pessoal, fora da sociedade civilizada que ele rejeitava, e aparentemente não possuiu nenhuma identidade particular. Na realidade, Nemo se funde na água e se dissolve na totalidade do mar do globo. Nemo é portanto um personagem humano, irredutível no seu desejo de independência. Aliás, na sua fortaleza submarina, tudo possuía a marca desta independência: o capitão Nemo tinha como lema do Nautilus a expressão latina Mobilis in Mobili, ou seja, móvel num elemento móvel. Nemo era totalmente livre, era e é ainda a personificação do ser humano, mestre de si e do seu destino. Essa exposição mais longa sobre o personagem Nemo se justifica pela associação que se pode fazer entre o escritor e seu personagem, a quem Jules Verne dedicou dois volumosos romances. Depois das Vinte mil léguas, Nemo retorna na L'Île mystérieuse (A Ilha misteriosa, 1874-75).
BREVE CRONOLOGIA EM CROTOY (1869-1871)
1869-70: Publicou no Magasin: Vingt mille lieues sous les mers (Vinte mil léguas submarinas). No periódico Le Débats, Autour de la Lune. Deixou Paris por Le Crotoy. Michel é enviado a uma pensão em Abbeville.
1870 : No periódico Débats: Une ville Flottante. Com Hetzel: Découverte de la Terre. Durante a guerra, Jules Verne colaborou como guarda-costa em Crotoy: Honorine, Michel, Valentine e Suzanne partiram para residir em Amiens. Foi nomeado cavaleiro da Légion d'Honneur.
Continuação...
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