Os efeitos especiais são o ponto forte do longa que, mesmo realizado nos anos 60, preocupou-se em reproduzir o universo criado por Verne de maneira adequada para a época. É possível observar duas diferentes estratégias de interação na filmagem, embora ambas sigam a mesma lógica. A primeira delas é a gravação das atuações em frente a projeção de um filme com um determinado ambiente no qual se intenciona mostrar que os atores estão. Além disso, também são utilizados recursos que remetem ao ambiente de fundo, em uma tentativa de tornar mais real esta interação entre as diferentes camadas. Isso pode ser muito bem observado na cena em que o balão voa em meio a uma tempestade, com a chuva e as ondas do mar produzidas em estúdio.
A outra estratégia é um pouco mais complicada e requer um planejamento bem mais meticuloso, pois envolve o trabalho de stop-motion do experiente Ray Harryhausen que dá vida às criaturas gigantes. Isso se dá por meio da paciente captura de imagens quadro a quadro do boneco em frente à projeção da cena já gravada com atores reais reagindo a um espaço vazio. A cada fotograma da projeção, mexe-se um pouco o boneco, até que toda a sequência seja completada. Assim, a nova gravação é exibida na velocidade padrão (24 quadros por segundo) para produzir a ilusão de movimento e de posição corretas do boneco em relação ao fundo. A técnica requer um nível de precisão absurda para que as transições soem o mais natural possível em cena.
A fotografia equilibra a intensidade e a temperatura das luzes do estúdio com as do fundo projetado. Embora seja nítida a diferença em algumas passagens, provavelmente isto se dá mais devido às limitações qualitativas na técnica de sobreposição de imagens do que a uma iluminação descuidada. Porém, a fotografia não se limita a preocupações meramente técnicas. Em determinadas cenas, percebe-se uma certa ousadia estética, dando-se preferência à construção de um visual imagético do que à reprodução fiel da realidade. Essa tendência pode ser observada nas cenas da caverna, onde a iluminação colorida contrasta com a escuridão esperada para esse tipo de lugar. A proposta casa bem com a atmosfera fantasiosa do filme. É válida a tentativa de manter um estranhamento no público que não é muito trabalhado nos próprios personagens do filme, que parecem se acostumar muito rápido com a ilha inóspita.
Entretanto, esse modo pouco questionador de lidar com algo tão estranho é importante para dar ao longa um tom de humor negro. Exemplos disso são o hábito de comer o animal gigante após derrotá-lo e a trilha sonora aventuresca e ao mesmo tempo pateta de Bernard Herrmann na sequência da ave. A direção de arte acentua este tom com figurinos e cenários tão espalhafatosos e bizarros que chegam a ser risíveis em determinadas ocasiões, como o intrigante equipamento de mergulho feito de conchas gigantes.
Assim como outras obras de Júlio Verne que foram adaptadas para o cinema, “A Ilha Misteriosa” não falha em despertar um constante interesse no público pelos personagens e pelos mistérios que o local esconde. Além disso, o longa também é um excelente registro cinematográfico de uma época onde a criatividade artística falava mais alto do que os avanços tecnológicos. As limitações forçavam um raciocínio para criar algo novo a partir do que se tem, e não esperar a invenção de alguma coisa que torne possível um resultado perfeito.
___
Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC - Brasil), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.
Artigo gentilmente cedido por Thiago César publicado no Cinema com Rapadura.
Sem comentários:
Enviar um comentário