sábado, 25 de setembro de 2010

Crítica 'A Galera Chancellor (1875)'

Ainda que esta obra não esteja actualmente a ser editada, podemos encontrá-la em edições antigas brasileiras/portuguesas à venda em alfarrabistas (br: sebos) como também numa colecção de obras de Jules Verne que esteve recentemente à venda em Portugal e no Brasil que, sem dúvida, merece a pena ser procurada e comprada, se encontrada. Daí se justificar um comentário à mesma.

Eis mais uma aventura passada exclusivamente no mar. Esta obra é apresentada de uma forma ligeiramente diferente, no formato de um diário que é escrito na primeira pessoa, em que J. Verne fala directamente com os leitores conseguindo assim uma maior proximidade com estes. Ao princípio, quando começamos a sua leitura, não ficamos muito impressionados com o desenlace da aventura, podendo assumir que se trata de apenas uma obra que nos leva de Charlston nos EUA até Liverpool no RU, pois este é o itinerário previsto, a bordo de um navio, o Chancellor, que transporta uma carga de algodão ao mesmo tempo que transporta alguns passageiros com destino a Inglaterra. Continuamos assim a leitura sem que sejam criadas grandes expectativas em relação à aventura.

Porém, e para quem conhece as obras de Verne, sabe que as suas aventuras não podem ser simplesmente tranquilas viagens a bordo de navios sem que haja um verdadeiro drama a bordo e sem que os seus personagens passem por incríveis momentos em que são postas a descoberto as qualidades e defeitos do homem, i. e., a verdadeira natureza humana.

Assim acontece! Começa por haver um fogo a bordo, no porão, sem que lhe possamos dar grande importância, tal é a forma como Verne o descreve, mas que é apenas o início e a origem de um grande drama que nos vai encher de angústia até aos momentos finais da aventura. Apesar de o fogo ter sido extinto, o navio fica fragilizado acabando mesmo por se afundar. No entanto, é construída uma jangada onde os náufragos são forçados a viver grandes privações e em que ficamos a conhecer segundo Verne, o ponto a que o ser humano pode chegar quando este é confrontado com situações limite e que nenhum de nós saberá exactamente a que tipo de instintos poderão dar origem.

Privados de comida e de água, os náufragos experimentam, para além da resignação perante a situação em que se encontram, as mais espantosas manifestações que vão desde a loucura ao suicídio, passando mesmo pelo canibalismo, havendo, ainda assim, lugar para verdadeiras demonstrações de princípio e de amor paterno quando um pai se propõe a dar a sua vida para salvar a de seu filho.

Resumindo, a obra começa de uma forma muito tranquila, a bordo de uma confortável galera em Charleston, tranquilidade que vai gradualmente sendo perdida chegando na parte final a um verdadeiro e violento apogeu da desgraça quando é alcançada a foz do rio Amazonas, em vez de Liverpool, a bordo de uma jangada do sofrimento e na qual apenas resta uma parte da tripulação inicial.

Excelente obra!

Poderá ainda lançar-se a questão se esta obra poderá ter sido uma possível inspiração para a criação de futuras obras, nomeadamente, “A jangada” dado que esta se passa exclusivamente no rio Amazonas e termina exactamente no mesmo sítio em que termina “A galera Chancellor”. Apesar de ainda não ter lido “A invasão do mar” e não saber assim se existe alguma ligação temática, poder-se-ia supor que também esta obra poderia ter sido inspirada em “A galera Chancellor” dado que são literalmente mencionadas as palavras a invasão do mar a dada altura.

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Crítica escrita por Luís Silva, tradutor para português de alguns contos de J. Verne.

2 comentários:

glanzmann disse...

Caro Luis Silva:excelente seu comentário sobre A Galera Chancelor.Apesar de pouco conhecida,é uma das mais eletrizantes novelas de Verne,daquelas que,uma vez iniciada a leitura,á difícil parar.Quanto a Invasão do Mar,trata-se de criar um mar interior no deserto do Sahara,tema citado claramente em Hector Servadac.

Luis disse...

Obrigado glanzmann. É realmente uma novela muito agradavel de se ler.
Quanto à invasão do mar, pode ter sido apenas coincidência, pois pela sua descrição da obra não me parece que tenha muito a ver com A galera Chancellor.