quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Crítica 'Os Filhos do Capitão Grant (1868)'

Parte 1:

Lancei-me novamente na leitura de Júlio Verne, que tanto me move. Admiro os seus amplos conhecimentos de quase todas as matérias e a sua imaginação fértil e em constante invenção.

Bem, falo-vos agora do primeiro volume de uma trilogia que relata a verdadeira odisseia promovida por Mary e Roberto Grant em busca do seu pai, o capitão Grant. Parte-se do pressuposto de que este valoroso marinheiro escocês naufragou juntamente com dois companheiros. E como se sabe isto? Tudo começa de uma forma completamente fantasiosa, digna das histórias mais criativas de marinheiros piratas e tesouros. A bordo do “Duncan”, o “yacht” pertencente a lord Glenarvan (homem de longa linhagem, considerado como um verdadeiro escocês, amante profundo da sua pátria, riquíssimo mas grande filantropo), é pescado um tubarão cabeça-de-martelo, de cujas entranhas se recolhe uma garrafa… de dentro dela, sai uma mensagem de socorro!

Pois bem, é a partir dessa mensagem que lord Glenarvan, seus companheiros, servidores do seu castelo na Escócia, e sua mulher, vão inferir o paradeiro do Capitão. Julgam-no algures na Patagónia, refém dos índios. Glenarvan e lady Helena (a mulher) vêem recusada a ajuda do governo para ir em busca do capitão e decidem, por meios próprios, fazerem-no eles. Mary e Roberto acabam por se lhes juntar.

Bem, à partida estão lançados os elementos para mais uma louca aventura, bem ao gosto de Verne, mas penso que, desta feita, resulta um pouco inferior. Pelo menos, em relação ao que já li dele e sobre o qual opinei há algum tempo. Estava tentada a dar-lhe 3 estrelas mas acabo por lhe dar mais meio valor, pelo que arredondo para 4.

Notei, logo de início, algo curioso: o imenso patriotismo. Todos os homens que servem na casa de Glenarvan são descendentes de escoceses puros. Glenarvan faz parte da mais pura e elevada linhagem nacional e fez questão de se rodear desses homens valorosos. Depois, a própria mulher também reúne esse requisito precioso, apesar de pertencer a famílias muito modestas. Por último, todos eles se lançam no encalço de um escocês corajoso que se vê abandonado pelo seu próprio governo.

Portanto, parece, efectivamente, uma ode à Escócia, contra a Grã-Bretanha. Depois, achei curioso mas perfeitamente compreensível o trato dado às mulheres. É preciso perceber que estamos na segunda metade do século XIX. Lady Helena e Mary têm aqui um papel subalterno, são eclipsadas durante grande parte da obra e são tratadas com alguma condescendência: “as mulheres, segundo se diz, são sempre um tanto curiosas.” (pág. 9).

Houve várias coisas que não me agradaram tanto neste volume de Júlio Verne, portanto. Para além do patriotismo exacerbado e do extremo nacionalismo e independência destes escoceses face à Inglaterra (embora, não sem razão), achei o discurso do autor demasiado romântico – no sentido da corrente literária com o mesmo nome. Um dos exemplos mais significativos é o momento de fervor religioso na Igreja de Saint Mungo (pouco antes da partida para a América do Sul).

Depois, achei um pouco presunçoso e até mesmo cínico, o discurso de Glenarvan e lady Helena. Estas duas personagens dizem-se movidas pelo desejo sincero de salvar um compatriota e ajudar os seus filhos mas parecem fazê-lo por condescendência (do mesmo modo que a Lili Caneças foi ao bairro do Fim do Mundo ou os americanos para o Iraque). Ou seja, são os exemplos típicos dos patronos ricos que se sacrificam em prole dos desgraçados (fazem o seu dever). Por muito que as intenções sejam verdadeiras, a mim eles soam-me a artificial.

Tenho ainda a apontar a visão de Júlio Verne acerca da ilha da Madeira na época. Ainda que justa, não deixa de ser desoladora: “Nada oferece de interessante a um geógrafo [aqui, refere-se a Paganel, geógrafo que também os acompanha]. Tem-se dito e escrito tudo quanto é possível a respeito deste grupo, que, aliás, se acha em grande decadência sob o ponto de vista da vinicultura.”

A viagem tem início e encaminha-se para a América do Sul, mais propriamente para o Chile, cordilheira dos Andes e Pampas argentinas.

Júlio Verne é um homem de uma cultura imensa. A descrição que faz do povo autóctone, bem como dos seus costumes, personalidade, condições atmosféricas e de viagem é apaixonante. Percebe-se, contudo, que Verne se comporta como um cientista, observando analiticamente o que o rodeia. Isso dever-se-á certamente ao facto de a sua formação académica ser de Direito e a maior parte dos temas que ele abordava nos seus livros estarem fora do seu leque de conhecimentos. Assim, foram muitas as horas de pesquisa empreendidas na construção de cada uma das suas obras. Júlio Verne faz ainda, por vezes, juízos de valor, sobretudo no que respeita à suposta inferioridade dos índios e dos negros face aos brancos mas fá-lo de modo natural para a época.

Verne é também muito didáctico, mostrando-se muitíssimo interessado e informado acerca dos viajantes e descobridores que haviam passado por estes lados do Novo Mundo.

A viagem ao longo da cordilheira dos Andes é belíssima, mas não passa sem os habituais perigos que uma escalada nestas altas montanhas comporta. Verne consegue colocar-nos a viajar juntamente com as suas personagens.

De todas elas, a mais excêntrica e curiosa é um francês, o geógrafo e sábio Paganel. Para já, é muito mas mesmo muito distraído e acaba por entrar no “Duncan” por acaso, quando o seu verdadeiro objectivo era a Índia. Apesar de muito inteligente e pró-activo, acaba por estudar português em vez do espanhol. Achava, pois, muito estranho que os nativos não compreendessem o que dizia. Afinal tinha lido “Os Lusíadas" e aprendido português. Também não deixa de ser curioso que seja um francês, mesmo o mais distraído deles, a arrancar do documento achado no tubarão uma interpretação completamente contrária à que todos haviam presumido inicialmente. Apesar de tudo, para mim, é o que está melhor caracterizado, de forma mais expressiva e original. Destacam-se, depois, o índio Thalcave, Glenarvan e Roberto. Os restantes quase não existem, ouvimo-los poucas vezes e de forma inexpressiva e desinteressante.·

Mas Júlio Verne compreende perfeitamente que episódios ou acontecimentos entremear com os momentos mais mortos do percurso. Exemplo disso mesmo são as horas de tensão no deserto salgado, em busca de água, o ataque dos lobos vermelhos e o desaparecimento de Roberto (em dois momentos: durante o tremor de terra e aquando do ataque dos lobos).

Verne é mestre em atiçar quer a curiosidade (imensa informação sobra as Pampas: fauna, flora, hábitos humanos, raças de índios, os conflitos intestinos na Argentina, a colonização) quer a tensão dos leitores.

É um livro repleto de emoções, não há momentos parados, mas não se compara com outras obras de Verne, pelo menos as mais emblemáticas e pelo menos este primeiro volume. Percebe-se que o livro cresce e até o seu desfecho é apoteótico, embora não sem a sua pontinha de acção. Sentimo-nos transportados para os locais calcorreados pelas personagens e não é sem alguma nostalgia que partimos da Argentina. Para onde vamos, saber-se-á no segundo volume.

Verne prima pela imaginação e é um gosto andar a caçar tatus ou nandus para o jantar; dormir nas árvores; atravessar os Andes; deslizar numa placa de terra arrancada ao solo depois do terramoto; fazer fogueiras à noite e dormir ao relento; quase morrer de sede no deserto; ver os animais mortos nos pântanos.

Enfim, aconselho a quem já tenha lido melhor do aturo e seja persistente na contínua perseguição das suas obras. Penso também que será melhor esperar pelos outros volumes. Apesar de não ter sido uma desilusão completa, não me apaixonou por aí além. Acaba por salvar-se das 3 estrelas porque ganha um fôlego maior a partir da jornada no terreno, mas há muitas arestas por limar.

Refiro ainda que li o livro através da colecção lançada pela RBA Editores, que não é nada de especial mas é barata – com a desvantagem de ter aquele papel rugoso e amarelado que não gosto nada.


Parte 2:

Com muitíssimo menos entusiasmo que no volume primeiro desta saga, acabei o segundo volume. Decididamente, o benefício da dúvida que havia concedido a Verne não teve grandes frutos. Até agora, foi das obras mais desinspiradas que li do autor. Depois de um primeiro volume empolgante, cheio de aventuras deliciosas, Verne desilude completamente.

A expedição de lord Glenervan segue a pista do documento encontrado no estômago do tubarão e continua a sua demanda, desta vez, pelas terras da Austrália, depois da passagem atribulada pela Argentina.

Tinha colocado algumas expectativas quanto ao seguimento da obra e acabei por vê-las absolutamente goradas. Este segundo volume é uma sombra, o reflexo muito, muito pálido do estilo, da imaginação contagiante do autor. Parece-me mesmo que constitui um acidente de percurso, esperando eu que a última parte da busca pelo capitão Grant possa redimir Verne – pelo menos, aos meus olhos.

Tenho a nítida sensação de que Verne andou à deriva, como que inventando tema para encher um volume extra. Continuam, contudo, a persistir aqueles traços que fazem de Verne um autor fascinante. Sobretudo, o constante optimismo e a descrição das soluções mais improváveis nos momentos em que já não resta qualquer esperança. Isso acontece menos abundantemente no segundo volume, mas dá-se, por exemplo, com o aparecimento de Ayrton, que alega ser um dos náufragos do Brittnania.

Pelo meio da narração fantástica, Verne inclui as já habituais informações factuais, apesar de aqui quase se limitarem a uma descrição enfadonha, sem espírito, informações às quais todos nós hoje podemos aceder – talvez à época da sua edição, a informação contida no livro se revestisse de maior interesse e importância. Gostei de saber, por exemplo, num dos raros momentos em que Verne discorre de forma a interessar, que a Austrália, como país colonizado pelos ingleses, apresenta – à semelhança do continente africano –, uma divisão territorial perfeitamente geométrica, sem olhar às particularidades da topografia nem da cultura e geografia.

Curiosa mas não surpreendentemente, é Paganel, o geógrafo francês, o crítico mais amargo da visão colonizadora inglesa e o que mais se insurge contra alguma falta de sensibilidade nesse processo. É na pessoa de Paganel e na do major Mac-Nabs, aliás, que se centrará umas das discussões mais tendenciosas e nacionalistas deste livro e do conjunto dos dois volumes. Esse momento é o da discussão acerca do progresso, em que Paganel representa a posição tradicionalista francesa e o major, britânico, a posição que passa sobre o passado uma esponja (“- O que importa, se o progresso penetra nele! – replicou o major”, pág. 153 da versão da RBA Editores). Não deixa de ser curiosa a disputa de nações que, aliás, está presente de forma mais acentuada no discurso do geógrafo. Indiscutivelmente, a mentalidade desta segunda metade do século XIX tem de ser compreendida e aceite. Não querendo ver com repugnância, através dos meus olhos de século XXI, o discurso de Verne, tento compreendê-lo. Verne, para além de tendenciosamente nacionalista, mostra ainda uma ideia que permanece desde o primeiro volume: o menosprezo pelos indígenas. Desta vez, muito curiosamente, não temos um índio companheiro e fiel que surja por toda a obra, mas apenas um fugaz rapazinho selvagem que desaparece em poucas páginas sem nunca mais ser mencionado. O porquê da sua aparição tão lacunar permanece um mistério, embora me pareça que tenha servido apenas de base de discussão. Nesta altura, Toliné, o selvagem, é apresentado como um indígena cristianizado, evangelizado, que aspira a ser missionário, no seguimento daquela ideia secular de que as almas perdidas dos selvagens sem credo têm de ser salvas – ainda hoje os indígenas brasileiros são enganados por falsos profetas. O que é certo é que eles têm os seus próprios credos, adorando e respeitando a natureza, algo considerado como pagão e herético aos olhos da Igreja.

A descrição que Verne faz da Austrália nada tem a ver com a feita aquando da peregrinação pela América do Sul. O autor torna-se apenas num relator de datas, nomes de exploradores e dados estatísticos sobre a exploração do ouro neste país. Porém, é no ponto em que descreve os números da exploração aurífera que Verne demonstra plenamente ser um homem do seu tempo – embora possamos, noutras obras, vê-lo como um precursor, muito para lá do século XXI. Verne diz-nos que “Os países auríferos não são privilegiados. Só criam populações ociosas e nunca raças fortes e trabalhadoras. Veja-se o Brasil, o México, a Califórnia, a Austrália! Onde estão eles no século XIX? O país por excelência, meu rapaz, não é o país do ouro, é o país do ferro!” (pág. 188). Apesar de considerar a Califórnia como um país, Verne, através de Paganel, tem aqui uma das mais marcantes frases e conceitos do livro.

Por outro lado, continua, à semelhança do primeiro volume, a ideia de que as mulheres são demasiado frágeis ou histéricas para estarem a par das decisões mais sérias. Embora também possamos compreender esta mentalidade, para as mulheres mais feministas, é capaz de lhes pôr o cabelo de pé :)

Verne repete, pois, as mesmas fórmulas do primeiro volume, mas faltam-lhe aqui aquelas que conferem verdadeiro interesse à leitura. Nem sequer a lamechice romântica, o exagero sentimental o encontramos, excepto, talvez, na aproximação de John Mangles a Mary Grant.

Este segundo volume decai imenso em qualidade e entusiasmo. Para além do desaparecimento prematuro e inexplicável de Toliné, o episódio do crime em Camden-Bridge é mencionado de forma superficial e sensacionalista, porém fugaz. Nem mesmo o twist final apaga o sabor amargo do resto da obra porque as pistas deixadas por Mac-Nabs tornam-no absolutamente previsível.

Numa atitude aparentemente desesperada, Verne inventa uns episódios de dificuldades no deserto a caminho de Twofold-Bay, onde o yacht Duncan os devia esperar – depois de percorrerem a Austrália de uma ponta à outra. Ora, durante mais de 200 páginas é a pasmaceira, não é assim, à pressa, que se redime uma má obra.

Portanto, desta vez, a desilusão foi grande, Verne leva 2 estrelas. Contudo, esta travessia no deserto torna-se necessária para chegarmos ao desenlace da aventura, no terceiro volume, pelo que aconselho a leitura apenas aos mais resistentes – embora já se possa adivinhar qual será o derradeiro desfecho (não convém que sejam demasiado curiosos e espreitem as ilustrações que se encontram adicionadas em qualquer das edições da obra de Verne, é que podem ficar a saber o final do livro através delas).

Há uma grande diferença de estilo, mas tenho ainda esperança no último volume. Sinceramente, espero não ter motivos para dar novamente uma pontuação tão baixa.


Parte 3:

E ao terceiro volume, Verne redime-se, sem, apesar de tudo, fazer um livro brilhante. É, certamente, muito mais empolgante e completo que o segundo (um enorme erro de percurso), concluindo – com sucesso ou não, não vou contar – a demanda em busca do Capitão Grant. Se bem se lembram, o capitão havia naufragado algures na Patagónia e os seus filhos, juntamente com toda a tripulação do Duncan, vinham-lhe seguindo o rasto desde aquele local, passando depois pela Austrália e, agora, pela Nova Zelândia. Verne dá-nos um impressionante testemunho da realidade neo-zelandesa – pelo menos, uma parte e um pouco tendenciosa –, focando, sobretudo, a fortíssima inclinação canibal das populações autóctones. Sempre expressando-se através dos seus personagens, percebe-se que Verne está em pano de fundo, sente-se a sua presença. Visivelmente chocado com estas práticas, será maioritariamente através de Paganel, o geógrafo francês excêntrico e distraído, que demonstrará de forma mais aguerrida a sua repulsa.

Neste último volume, perpassa um enorme sentimento de desilusão e resignação. Depois de infrutífera expedição pela Austrália, todos os tripulantes perderam a esperança de voltar a ver o capitão com vida.

Percebe-se ainda uma novidade, algo que vem contrariar o aparente facilitismo que o narrador Verne aplicava à narrativa. Desta vez, os tripulantes – lord Glenarvan, lady Helena, Mary e Roberto Grant, Wilson, Mulrady, Paganel e John Mangles – deparam-se com muito maiores dificuldades, já não temos aquela sensação de passeio de gente fina pelo meio dos selvagens. Agora, enfrentam naufrágios a sério, correm perigo de vida até ao último instante. Muito mais que nos volumes anteriores, sentimos estar a ler o verdadeiro Verne.

Mas o tema que domina grande parte do livro é o da antropofagia. Mais uma vez, os tripulantes se chocam e insurgem: “Mas como é que o cristianismo não pôde ainda destruir os costumes da antropofagia?” (pág. 67 da edição da RBA Editores). Todavia, apesar da narrativa interessantíssima das tentativas de cristianizar e dominar os povos autóctones da Nova Zelândia, Verne retorna ainda à narrativa aborrecida e desgastada da História do país através da descrição dos aventureiros que por lá passaram. Ora, isto acontece com frequência em todos os volumes e é, sinceramente, um aborrecimento de morte.

Neste volume, contudo, Verne introduz elementos ricos que acabam por compensar alguns outros mais entediantes. Atreve-se mesmo a algum suspense, pese embora ingénuo: “(…) quando na Nova Zelândia alguém está um ano sem aparecer (…), é porque se acha irremediavelmente perdido!” (pág. 99). É neste estilo que Verne nos tenta confundir em relação ao destino do capitão, não nos revelando nunca se nefasto ou benfazejo, até muito, muito perto do final.

Verne junta ainda a estes elementos que promovem o interesse, episódios de curiosidades. Por exemplo, adorei saber – sim, porque eu não sabia, confesso, e senti-me uma criancinha, a rir-me sozinha para o livro – que as focas engolem seixos de dimensões consideráveis para mergulharem a maior profundidade. Achei engraçado LOL! Também gostei muito da descrição sobre os kiwis, aquelas aves sem asas e bico longo e fino, tipicamente australianas – até as ilustrações do bicharoco estão um brinco.

O terceiro volume continua, apesar de tudo, a mostrar-nos juízos de valor bem depreciativos – mas compreensíveis – acerca dos indígenas. Para além da condenação sem compreensão prévia dos hábitos antropofágicos, quase que se goza com a bandeira utilizada por uma das tribos locais, referindo-se-lhe como “um pedaço de estofo que o vento fazia ondular no alto de uma cabana. Era a bandeira nacional.” (pág. 125). Bem, se formos realistas, o que é bandeira de cada país? Um pedaço de pano tingido, nada mais. Parece-me muito depreciativa e até ofensiva e racista – embora se perceba bem o contexto da época de Verne – que não se tenha em conta que a bandeira é o significado que se lhe atribui. Para quem a veja e não lhe conheça o simbolismo, não tem qualquer interesse ou significado.

Aquilo que Verne descreve de forma absolutamente impressionante é o luto dos neo-zelandeses, esse sim, um testemunho mais próximo de antropológico: “Os parentes e amigos dos guerreiros mortos [em combate contra os ingleses], as mulheres principalmente, rasgavam o rosto e os ombros com cortantes conchas. O sangue escorria e misturava-se com as suas lágrimas. As profundas incisões atestam grande desespero.” (pág. 133).

Ainda, Verne procede do mesmo modo ao descrever todo o cerimonial que rodeia o enterramento de Kara-Té Té, chefe tribal. Descrição extremamente vívida, sem tabus, mas ao mesmo tempo parcial, vista claramente pelos olhos de um ocidental. Aliás, será claramente desrespeitado e profanado o local do túmulo do chefe, apesar de por óbvia e absoluta necessidade. Esta visão ocidentalizante está constantemente expressa, até nas considerações acerca do criminoso Ayrton – antigo cabo de marinheiros do capitão Grant. As personagens criados por Verne estão impregnados de puritanismo, religiosidade ocidental exacerbada e cristianismo bíblico – é quase repugnante a forma como falam de Ayrton: como é que um homem com tantas capacidades usa a sua inteligência para o mal?

As novidades – algumas – de que falei não ofuscaram totalmente o renascimento do ideal Romântico, pelo que é possível que em alguns leitores possa surgir a náusea face aos sentimentos de John Mangles por Mary Grant, disposto a morrer por ela.

Não vos vou contar o final, para quem algum dia vá ler esta trilogia, mas deixo uma pequena nota de interesse sobre Paganel. Será muito curioso descobrir porque afinal, a partir de certa altura, o geógrafo andará tão silencioso e coberto de roupa até ao pescoço: “Paganel, ele que, em caso de necessidade teria inventado a esperança, Paganel conservava-se triste e silencioso.” (pág. 212).

Chegada ao fim do terceiro volume, só posso mesmo recomendar estas obras a quem se interesse muito em ler grande parte da produção escrita deste autor. Eu, sinceramente, apesar do desaire do segundo volume, aprendi muita coisa com Verne, aprecio a sua capacidade inventiva e imaginação viva, mesmo quando não estão ao seu mais alto nível. É o caso destes 3 volumes, irregulares e, em certa medida, repetitivos nas suas fórmulas. Ler-se-ão apenas por alguma teimosia. Verne tem obras muito superiores e de um só volume que valem muito mais por estes 3. Assim, dou 4 estrelas a este último por ser bem melhor que os dois anteriores mas, no cômputo geral da trilogia, daria 3 estrelas.

Crítica escrita novamente por Cátia Santos, autora do blog Há Fogo na Lua, e cedida gentilmente para o blog JVernePt. Poderão ler outra crítica da Cátia aqui.

Se pretender comentar esta crítica faça-o aqui. Caso pretenda apenas comentar a obra use a secção correspondente. Qualquer pessoa pode escrever uma crítica para qualquer obra. Para isso leia o tópico 'Críticas das obras'.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Desenhos 'Mundos de Júlio Verne'

Depois ter visto os desenhos em baixo de uma portuguesa no blog internacional JV de Passepartout, entrei em contacto com a autora, que me autorizou a colocação dos mesmos neste blog afim de todos os que nos visitam os possam ver.
[00_nino_net.jpg] [nina_dino_net.jpg]
[evolução_Verne.jpg]
Estes desenhos são denominados "Os mundos Júlio Verne" e foram desenhados por Ana Afonso, autora do blog anafonso-ilustra.blogspot.com, blog que recomendo a sua visita.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Restaurante Jules Verne inaugurado

O restaurante Jules Verne no 2º piso da Torre Eiffel em Paris, foi inaugurado depois de 4 meses de obras:



Pena o preço, mas um restaurante de nome Jules Verne só podia ser "fantástico"!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Crítica '20000 Léguas Submarinas (1870)'

Ganhei há bem pouco tempo o gosto de ler Júlio Verne. Tenho aproveitado as colecções que foram lançadas muito recentemente, uma pela RBA Editores e outra no Correio da Manhâ. Estou a completar a primeira. Mas já tinha adquirido as Vinte Mil Léguas Submarinas antes. E finalmente encontrei um género literário que me satisfaz completamente.

Em relação a este título em particular, posso dizer que me fez sonhar como sempre desejei. Conta-nos a história de um professor francês, o seu companheiro (Conseil) e Ned Land, um marinheiro canadiano e de como todos acabam "prisioneiros" do Nautilus e do capitão Nemo, após terem seguido a bordo de um navio cuja missão era capturar um terrível monstro que assolava os mares e afundava navios - o Nautilus.

É surpreendente a vivacidade com que o autor nos faz a descrição das aventuras e desventuras daqueles 3 personagens e a relação algo tempestuosa com o capitão, um homem duro, decidido a isolar-se irremediavelmente do mundo civilizado para viver a bordo do submarino por ele desenhado. Este é uma verdaderia fortaleza contra todos os perigos. Toda a tripulação se alimenta dos recursos fornecidos pelo mar, tudo o que encontramos na terra tem o seu homólogo na água. O que é uma visão fascinante embora um pouco utópica de como utilizar recursos que são praticamente inesgotáveis e não poluentes. Aliás, Júlio Verne aponta-nos aqui uma faceta sua que me parece muito recorrente: a de naturalista e em muitos aspectos de ecologista.

O que me aborreceu mais foi, de facto, a imensa descrição de peixes, moluscos, enfim, todos os animais marinhos classificados por ordens, subordens, classes... acho um pouco desnecessário e, para quem não tenha em mente todos aqueles animais, é demasiado exaustivo. Contudo, somos compensados com as maravilhosas viagens ao fundo do mar, os fatos de mergulhador bastante arcaicos, mas uma descrição bem realista da sensação de estar no fundo do mar. Percorrem-se todos os oceanos a bordo do Nautilus e só no Árctico é que correrá verdadeiro perigo, como que antecipando o final, que não vou revelar.

Às tantas, a meio do livro, depois de tanto ler sobre a inesgotável electricidade que alimentava o Nautilus, do material inquebrável que o compunha, das velocidades que aquele subamarino atingia, é que parei para pensar um pouco e dar-me conta de que este homem, Júlio Verne, era de facto um visionário. Escrevendo em meados do século XIX, mais propriamente 1873, quase que nem damos por isso, embora se possa rever precisamente naquele espírito analítico e necesariamente classificador um reflexo da maneira como a ciência era encarada na época.

Os personagens são caracterizados perfeitamente. Temos o subserviente Conseil, que segue o seu mestre para todo lado e só opina o que o mestre opina, vive porque ele vive, respira para ele, sem autonomia mas muito fiel. Temos Ned Land, o impetuoso pescador, cujo único pensamento desde o início é escapar - incapaz de estar preso durante tanto tempo. Temos ainda o Professor, de que não me recordo o nome, espírito perfeitamente sereno e observador, esperando pelo momento certo, escolhendo bem as palavras, aproveitando a prisão involuntária para aumentar os seus conhecimentos e estudos. E temos também a figura incontornável do capitão Nemo, homem de personalidade vincada, obstinado e decidido, um estudioso excêntrico, como a maior parte dos personagens de Verne.

Enfim, é um livro muito aconselhável a quem se queira iniciar na ficção científica de excelente qualidade, é um clássico de incontornável gosto, imprescindível, mas que pode maçar um pouco nas suas divagações acerca dos habitantes marinhos. De resto, até acabamos por aprender algo com isso, sem querermos. Portanto, só tem vantagens. Leiam.

Crítica escrita por Cátia Santos, autora do blog Há Fogo na Lua, e cedida gentilmente para o blog JVernePt.

Se pretender comentar esta crítica faça-o aqui. Caso pretenda apenas comentar a obra use a secção correspondente. Qualquer pessoa pode escrever uma crítica para qualquer obra. Para isso leia o tópico 'Críticas das obras'.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Obrigado a todos...

Já saíram os resultados para melhor blog nas categorias Arte & Cultura e Literatura, e o nosso blog ficou no 7º e 6º lugar, respectivamente.

Foi muito bom ter sido nomeado nestas categorias e ainda mais ter ficado nestas posições.





Mais uma vez, e em meu nome e do Carlos, agradecemos a todos os amantes da literatura e de Júlio Verne que votaram e contribuíram para o sucesso deste blog.

É muito agradável ver como um blog de um autor do séc. XIX, mas que andou muito à frente do seu tempo, e semi-esquecido em Portugal actualmente, é reconhecido e admirado.

Continuem a visitar e a participar no blog dedicado ao grande mestre da literatura mundial!

Obrigado!

FONTE: Melhor Blog Português - Vencedores Literatura, Arte e Cultura

António Lobo Antunes cita Júlio Verne

António Lobo Antunes, magnífico escritor português que tem sido cogitado para o Nobel de Literatura, cita de forma favorável Júlio Verne entre outras obras/autores, em entrevista no programa "Espaço Aberto Literatura", do canal Globo News do Brasil, em Dezembro/2007.



Para além de mencionar que Verne "era um grande escritor" diz que este "guardava os manuscritos debaixo da bunda". Será verdade? Nunca ouvi nada a este respeito.

"É preciso tomar lições de abismo". JV - Viagem ao Centro da Terra

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Nomeado em duas categorias

O nosso blog dedicado a Júlio Verne foi nomeado em duas categorias, Arte & Cultura e Literatura, no site Melhor Blog Português. Em cada categoria foram nomeados 9 e 11 blogs, respectivamente.





Em meu nome e do Carlos gostaria de agradecer a todos os amantes da literatura e de Júlio Verne que votaram neste blog.
Este reconhecimento dá imensa força para continuar.

Continuem a visitar e a participar no blog dedicado ao grande mestre da literatura mundial!

Obrigado!

FONTE: Melhor Blog Português - Literatura, Arte e Cultura

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Novo Site para 'Journey 3-D'

O primeiro filme de acção em 3 dimensões "Journey 3-D", baseado na obra de Júlio Verne "Viagem ao Centro da Terra", já tem site e novo logo.



Podemos reparar que o título do filme sofreu uma mudança para "Journey to the Center of the Earth 3-D".

Ficaremos à espera do trailer.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Revista 'Mundo Verne' #2

Mais uma vez, o bravo Ariel Pérez lançou na Internet a revista Mundo Verne, em seu segundo número, e nos proporcionou a chance de traduzi-la para nossa língua, possibilitando o acesso a milhares de portugueses, brasileiros e todos aqueles que falam o português em todo o mundo.



Destaca-se a primeira parte de um interessante artigo de William Butcher sobre as partes desconhecidas de um manuscrito de "Viagens e aventuras do capitão Hatteras", onde Verne planeava dar um final completamente distinto à obra.

Também se pode encontrar uma entrevista a Jean-Michel Margot, um dos vernianos mais activos e importantes do mundo, um texto por Frederico Jácome que mostra a relação do autor com Portugal, e as secções já habituais onde entre elas está a análise da novela "O Farol do fim do mundo" por Christian Tello, o capítulo 2 de Pierre-Jean e uma nova carta inédita de Verne.
Mundo Verne 2

domingo, 9 de dezembro de 2007

Uma sugestão de prenda de Natal...

Nada melhor que oferecer neste Natal aos seus amigos, familiares, conhecidos, etc... uma obra de Júlio Verne adaptada ao grande ecrã.

Foi isso que pensou a FNAC e colocou o filme "20,000 Léguas Submarinas", para mim a melhor adaptação feita até hoje, a um preço de promoção de 9,95€



Sinopse: "Suba a bordo do Nautilus... para um estranho mundo submarino de fascinantes aventuras! Kirk Douglas, Paul Lukas e Peter Lorre protagonizam os sobreviventes de um naufrágio, capturados pelos misteriosos Capitão Nemo, um génio louco com um diabólico plano para a destruição do Mundo. Galardoada com um brilhante Oscar de Academia (Efeitos Especiais), esta adaptação pela Disney do romance de Júlio Verne, '20.000 Léguas Submarinas', é uma verdadeira obra-prima!"

Não percam a oportunidade de o adquirir!
Recomendo!

sábado, 8 de dezembro de 2007

A primeira foto de 'Journey 3-D'

Aí está a primeira foto do novo filme "Journey 3-D" baseado na obra de Júlio Verne, "Viagem ao Centro da Terra".



É de relembrar que este será o primeiro filme de acção no formato 3-D e tem a participação de Brendan Fraser, Josh Hutcherson e Anita Briem!
A sua data de estreia será no dia 8 de Agosto de 2008.
Vamos esperar por mais novidades!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Sam Raimi volta a falar de 20000 Léguas

Sam Raimi aquando de uma entrevista sobre o seu novo filme "30 Days of Night", confirmou-nos que passa pelo seu futuro produzir nova versão de "20000 Léguas Submarinas".



"Vou produzir o remake de 20 Mil Léguas Submarinas, já temos um bom roteiro baseado na obra de Júlio Verne e estamos à procura de um realizador".

Raimi disse também que nesta produção irá ser fiel à obra.

"Pretendo manter o espírito original das obras. Os fãs querem que o realizador e os produtores sejam fiéis ao material original, pelo qual são apaixonados. É esse tipo de pressão que sinto por parte dos fãs."

Depois de algumas obras adaptadas para o grande ecrã com pouco do original, cá estaremos para ver se desta vez iremos ter um filme fiel à obra de 1870! Esperemos que sim...