sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Jules Verne - História da Edição Portuguesa (1873-2021) 3

Não encontrámos registos bibliográficos nas bases de dados consultadas de algumas destas primeiras edições, o que, contudo, não invalida a cronologia elaborada por Ferreira. Como explica João Almeida Flor, na análise que fez sobre o catálogo da Empreza Horas Românticas,

Muitas vezes deparamo-nos com reimpressões ou segundas edições de textos anteriormente publicados na imprensa periódica sob a forma de folhetins, mas que mais tarde ascenderam ao estatuto material de livros (Flor 135).

As primeiras edições de Verne passaram seguramente por este processo. Embora publicadas num único e dispendioso volume (Ferreira 42 3) de tiragem mais limitada, foram igualmente disponibilizadas no formato mais popular e mais barato de fascículos. Isto constituía uma estratégia comercial adoptada pela Empreza Horas Românticas (Flor 134) e, também, uma prática comum do mercado livreiro da época.

De acordo com André Morgado, autor do verbete “Editores” do Dicionário de Historiadores Portugueses – Da Academia Real das Ciências ao Final do Estado Novo, na segunda metade do século dezanove

Os fascículos (ou cadernetas, conforme se dizia à época) tornaram-se o meio privilegiado para fazer chegar o livro a mais pessoas. Os leitores compravam e coleccionavam os fascículos, que chegavam periodicamente ao mercado, encadernando-os. Uma ideia simples que permitia ao editor reduzir o investimento; e ao leitor, comprar a prestações – através de agentes espalhados pelo país, que escoavam o que se produzia.

Os fascículos não eram apenas uma forma mais abrangente de estabelecer uma relação entre autor e leitor. Eram também uma forma de evitar o pagamento de direitos autorais. Embora os direitos de autor estivessem regulamentados em França desde a Revolução de 1789, essa prática restringia-se ao território francês e às suas colónias e era quase impossível impedir a reprodução ilegal das obras (Bezerra 58). Em Portugal, a propriedade intelectual só foi regulamentada no Código Civil de 1867 (Flor 127).

Apesar de França e Portugal, em 1851, terem assinado um tratado bilateral que obrigava os editores portugueses a pagarem os direitos de tradução de autores franceses em território português, a contrafacção de obras perdurou por várias décadas. No Brasil, por exemplo, embora a publicação de Verne estivesse a ser feita pela Livraria Garnier, isso não impediu que surgissem traduções do autor comercializadas por outras casas editoriais (Bezerra 65).

A predominância da edição em fascículos tem também muito a ver com as próprias condições económicas do mercado editorial português. Segundo Artur Anselmo, em Estudos da História do Livro,

Por motivos económicos (dificuldade em escoá-las a um maior preço), as edições eram de fraca qualidade; livros de luxo, ilustrados ou com bom acabamento (no papel e na encadernação, impressos com caracteres de boa qualidade) só se tornarão mais comuns a partir dos anos de 1870 (Anselmo 128).

Esta situação não se aplicava apenas ao mercado português. Em França, por exemplo, a edição das obras de Verne num único volume nem sempre foi feita no ano da sua primeira data de aparição. No mundo de língua portuguesa, como já vimos, a aparição do primeiro livro foi igualmente tardia, apenas em 1873, tanto na primeira tradução portuguesa como nas edições da livraria Garnier comercializadas no Brasil (as traduções importadas por Chardron são também as primeiras edições brasileiras no formato único de livro).

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