sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Jules Verne - História da Edição Portuguesa (1873-2021) 4

Embora não deixe de causar bastante perplexidade a entrada tão tardia de Verne no mercado português, tendo em conta a influência cultural que a França exercia sobre Portugal (Flor 127), a publicação deve-se ao segundo oficial dos serviços de correio na estação central de Lisboa, David Augusto Corazzi (1845-1896).

Órfão de pai aos quinze anos, com a venda dos direitos de autor de um livro publicado pelo seu progenitor (médico cirurgião), Corazzi fundou, em 1870, a editora Empreza Horas Românticas, começando um meritório trabalho de editor e de divulgador cultural.

O primeiro livro publicado por Corazzi foi Les Chevaliers de la Nuit de Ponson du Terrail (1829-1871), ao que se seguiu El Rey Maldito, do espanhol Manuel Fernández y Gonzalez (1821-1888), em 1871. Este último, impresso num novo formato de fascículos de oito páginas e gravuras, permitiu a Corazzi o necessário desafogo financeiro para impulsionar a sua editora (Domingos 22) e dedicar-se a novos projectos, como a Biblioteca do Povo e das Escolas, uma colecção de divulgação cultural e científica destinada a um público mais amplo.

Instalado na Baixa de Lisboa (Rua da Atalaia do número 40 ao 52) e dispondo de tipografia própria, em 1874, Corazzi adquire junto de Hetzel os direitos exclusivos das ilustrações que acompanham as Voyages Extradordinaires em França

Livro de registo de Pierre-Jules Hetzel. Contratos referentes a À volta da Lua. Na imagem comprova-se que, a 26 de Fevereiro de 1874, Corazzi comprou os direitos de trinta e nove ilustrações da obra para publicação em Portugal (Créditos: Valéria Bezerra).

e sistematicamente publicou-as na colecção que ele próprio designou como Viagens Maravilhosas aos Mundos Conhecidos e Desconhecidos. A existência das ilustrações foi o factor-chave para o sucesso editorial de Verne em Portugal e Corazzi compreendeu isso desde o início. Tal como em França ou em muitos outros países, os leitores valorizavam imenso as ilustrações que acompanhavam as obras. Na única ocasião em que Corazzi resolveu editar Verne sem gravuras, na primeira edição de A Galera Chancellor (1875), o público não gostou da novidade e o editor viu-se perante um tremendo insucesso comercial (Ferreira 42 6). A segunda edição da obra, em 1878, já viria acompanhada de ilustrações.

Em 1886, a colecção passou a chamar-se Grande Edição Popular das Viagens Maravilhosas aos Mundos Conhecidos e Desconhecidos e foi publicada num formato ligeiramente mais pequeno e mais barato que a sua antecessora “edição de luxo” (Ferreira 43 4).

Dando prioridade à excelência gráfica, Corazzi teve o mesmo tipo de cuidado no campo da tradução. Este trabalho foi sempre encomendado a figuras de relevo da sociedade portuguesa, oriundas de áreas profissionais diversas (veja-se o último post deste artigo, onde apresentamos uma breve biografia de quase todos os primeiros tradutores portugueses de Verne): escritores (Manuel Pinheiro Chagas e A.M. da Cunha e Sá), militares (Fernandes Costa e Almeida D’Eça), médicos (Fernando Correia e Xavier da Cunha) ou pintores (Manuel Macedo e Higino Mendonça).

Sem comentários: