sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Jules Verne - História da Edição Portuguesa (1873-2021) 8

O período cronológico entre 1974 e 2021 é possível de ser retratado de forma mais telegráfica por duas razões: primeiro pela sua menor dimensão temporal face ao período de 1874-1973, mas, sobretudo, pelos critérios de nítida unidimensionalidade do próprio mercado editorial português no que diz respeito à obra de Verne.

O ano de 1974 trouxe uma democratização não só do regime político português, mas também da edição Verniana em terras lusas. Esta democratização teve aspectos positivos, porém pouco inovadores, face à posição (não somente em número de traduções e de vendas) que Jules Verne ocupa, ainda hoje, no panorama literário mundial.

A Bertrand prosseguiu a reedição da obra do escritor, apresentando apenas a publicação de um único título até então inédito (A caça ao meteoro, 1978), mas eclipsou-se paulatinamente do mercado para dar lugar a novos selos editoriais nas três décadas seguintes.


Na segunda metade da década de 1970, bem como nas décadas de 1980 e 1990, a publicação das obras do escritor foi feita pela já citada Europa-América, mas também pelo Círculo de Leitores, Livros do Brasil, Amigos do Livro e outros projectos editoriais de maior ou menor relevância que existiram nestes anos. Contudo, a estratégia comercial seguida por todas estas editoras pautou-se sempre por um espírito demasiado púdico e conservador: uma vez mais, todas elas publicaram apenas os títulos mais conhecidos junto do público.

A única e honrosa excepção a este cenário é a das Edições António Ramos. Entre 1978 e 1981, esta chancela publicou títulos ainda inéditos em Portugal como A espantosa aventura da Missão Barsac (1978), O segredo de Wilhelm Storitz (1978), O piloto do Danúbio (1980) ou O homenzinho (1981), além das novelas de Ontem e amanhã (1978).


Outra excepção digna de elogio: as obras inicialmente escritas por Michel Verne e recuperadas pela Société Jules Verne foram publicadas no início dos anos 2000 pela já extinta Editorial Notícias: A caça ao meteoro (1999), O segredo de Wilhelm Storitz (1999), O vulcão de ouro (2000), Um padre em 1839 (2001) e Le Phare du bout du monde (2005). Relativamente a obras inéditas, devemos também referir as duas excepções à Editorial Notícias: O tio Robinson (1991) publicado pela Livros do Brasil um ano depois da sua edição original e o ressurgimento de Verne na Bertrand com Paris no século vinte (1994) em 1995.

A primeira década deste século, e a celebração do primeiro centenário da sua morte (2005), impulsionou um crescimento do interesse pela obra de Verne em Portugal: dois jornais diários, o Correio da Manhã (2002-2003) e o Público (2005) lançaram uma colecção (algo) parcial das suas obras.

A edição de maior fôlego do corpus Verniano não coube, porém, a uma editora portuguesa, mas sim à espanhola Editorial RBA que, em 2003, lançou uma colecção de sessenta e sete volumes actualizando, em parte, o “método Corazzi” dos anos 1870: distribuição semanal de um volume (em vez de fascículos) em papelarias e quiosques de jornais. Infelizmente, esta colecção nunca foi disponibilizada em livrarias, o que impediu a sua divulgação mais ampla junto de um público mais vasto.

Há factores muito positivos na colecção da RBA como a possibilidade dos leitores contactarem com obras menos conhecidas de Verne. Contudo, o aspecto mais negativo é o de recorrer de forma sistemática às traduções do século dezanove sem qualquer revisão de texto efectuada por tradutores contemporâneos. Embora só se encontre disponível em alfarrabistas, a edição da RBA continua a ser a mais completa porta de entrada das obras de Jules Verne lançada em Portugal no século vinte e um.

A década de 2010-2020, e o início da década de 2020, prosseguiram o mesmo tipo de estratégia comercial unidimensional. A obra de Verne regressou, por assim dizer, à sua “casa-mãe” do século vinte, isto é, à Bertrand, que tem reeditado as suas obras mais populares (com novas traduções ou traduções revistas), através da editorial 11x17, que faz parte do seu grupo empresarial.

O mesmo tipo de estratégia tem sido seguida por outras editoras de maior ou menor dimensão, sem que seja possível ter acesso directo em livrarias a obras menos conhecidas de Verne. Para consegui-las, as bibliotecas públicas e os alfarrabistas continuam a ser os melhores recursos para os leitores mais ávidos do autor.

Para terminar, e ainda de acordo com a nossa pesquisa bibliográfica, pelo número de edições que conheceu em quase cento e cinquenta anos, A volta ao mundo em 80 dias continua a ser a obra mais popular de Verne em Portugal. Continuamos, no entanto, a aguardar a edição portuguesa das suas obras completas. Esperemos apenas, sinceramente, que esta “volta ao mundo” editorial do Lusitânia Verne, a acontecer, não leve oitenta anos a completar-se.



Bibliografia

Anselmo, A. (1997). Estudos de História do Livro. Lisboa: Guimarães.

Bezerra, V. (2022). “ Le Tour du Monde” das obras de Jules Verne: Uma análise da atuação internacional dos editores Pierre-Jules Hetzel e Baptiste-Louis Garner. Alea: Estudos Neolatinos, vol. 24/1, 52-76.

Bragança, A. (2016). O Editor de Livros e a Promoção da Cultura Lusófona: a trajectória de Francisco Alves. In Bragança, A. (Ed.) (2016), Rei do Livro – Francisco Alves na história do livro e da leitura no Brasil (pp.227-243). São Paulo: Edusp.

Catarina, P. e Guirra, E. (2014). Jules Verne na Imprensa Brasileira no Século XIX. Pensares em Revista, nº4, 5-25.

Domingos, M. (1985). Estudos de Sociologia da Cultura: Livros e Leitores do Século XIX. Lisboa: Instituto Português do Ensino à Distância.

Ferreira, A.J. (1994). Como Jules Verne Conquistou Portugal. Nº13 – Informações e Estudos sobre Jornais Infantis, Literatura Popular e Histórias aos Quadradinhos, números 42 a 46 (Jul. – Nov. 1994).

Flor, J.A. (2013). Publishing translated literature in late 19th century Portugal: the case of David Corazzi’s catalogue (1906). In Seruya T., D’Hulst L. e Moniz, M.L. (2013), Translation in Anthologies and Collections (19th and 20th Centuries). Filadélfia: John Benjamins Publishing Company, 123-146.

Morgado, A. (2017). Editores. In Dicionário de Historiadores Portugueses – Da Academia Real das Ciências ao Final do Estado Novo [Online] Disponível em https://dichp.bnportugal.gov.pt/tematicas/tematicas_editores.htm [consultado em 11 Maio 2022].

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